Kéren Paiva relata história com espinhas: “Ouvimos que somos sujos”
A influenciadora dividiu com a CH sua experiência com a acne e contou como superou preconceitos e luta para difundir o movimento "pele livre"
Desde os 11 anos, Kéren Paiva convive com a acne. Hoje, aos 23, a relação da influenciadora digital com as espinhas já passou por diferentes fases. De perguntas como “por que comigo?” a aceitá-las e entender que não precisava se culpar por sua condição de pele e muito menos deixar que isso a impedisse de viver e ser feliz, a mineira transformou todos os comentários negativos e olhares julgadores que recebeu em força para questionar os preconceitos e para ajudar outras pessoas a entenderem que não há nada de errado em ter espinhas.
“Minha acne começou no rosto e aos poucos foi surgindo no corpo, principalmente no colo e costas. Na época, como a gente tinha pouca informação sobre isso, achei que era coisa de adolescente, que logo iria passar, então eu não me preocupei em procurar um médico, em já tentar tratá-la desde o início para que não se prolongasse como se prolongou”, contou Kéren, que continuou: “Me incomodou bastante quando ela começou a surgir, principalmente porque a adolescência ja é uma fase mais complicada da nossa vida. Isso mexia muito com a minha autoestima, e sempre mexeu muito. Era difícil me olhar no espelho, era difícil ver todas as minhas amigas sem quase nenhuma espinha no rosto. A gente não entende, eu me perguntava por que isso acontecia comigo.”
“Eu me sentia muito julgada pela minha pele. Nem sempre eu ouvia diretamente das pessoas comentários sobre ela, mas percebia os olhares e as piadinhas indiretas. Eu já ouvi até de médicos. Um dia, eu estava me sentindo muito mal e precisei ir ao hospital. A médica de plantão, que não era dermatologista e nem especializada nessa área, ao invés de se preocupar em me ajudar, em tratar o que eu tinha para que eu voltasse a me sentir bem, ficou julgando a minha pele, falou que eu tinha que cuidar dela, procurar um tratamento. Como se eu não tivesse espelho em casa e não visse todos os dias que eu tenho um problema de pele. Eu achei isso muito invasivo”, relatou.
Buscando tratamento
Aos 16 anos, Kéren procurou dermatologistas para entender melhor suas espinhas e como cuidar delas. “Todos me falaram que o grau da minha acne era muito elevado e que o ideal seria fazer o tratamento mais intenso [que seria a isotretinoína, também conhecida como Roacutan]. Porém, tanto eu como a minha família, naquela época, tínhamos medo, porque ouvíamos relatos de pessoas que tiveram problemas com o medicamento. Em 2018, eu estava com a minha autoestima muito abalada por conta da minha pele, então resolvi procurar uma outra dermatologista para ver as minhas possibilidades. Ela me disse o mesmo que os médicos anteriores, porém me deixou muito segura. Explicou tudo com muito cuidado e me falou que não iniciaria um tratamento como esse sem que eu estivesse certa disso”.
“Antes de começar o tratamento mais intenso, tentamos também os antibióticos, porém, como já era esperado, resolveu muito pouco. Mais segura, decidi testar a isotretinoína. Eu só quis fazer isso porque me senti confiante com a minha médica, foi diferente dos outros profissionais que consultei, que já queriam me ‘empurrar’ logo de cara para ela, sem me dar muitas informações, com consultas rápidas em que não me explicavam direito as coisas. Depois de nove meses tomando o medicamento, nós finalizamos. O resultado veio, porém durou quatro meses. Como a minha acne é muito intensa, a gente sabia que isso poderia acontecer, mas ficamos com medo de estender por mais tempo o remédio e causar danos a longo prazo no organismo”, explicou Kéren.
Acne e autoestima
“Demorou, mas aos poucos eu comecei a entender que eu não precisava me culpar da forma com que eu me culpava. Porque nós ouvimos que somos sujos, que temos acne porque não limpamos o rosto direito… Então era isso que eu pensava, que eu estava descuidada de mim. Por mais que eu tentasse, que cuidasse, que usasse os produtos, a acne continuava ali. Com o tempo, eu fui procurar informações reais sobre essa condição, fui entender que não era uma questão de falta de higiene, mas, sim, uma doença multifatorial que pode ser causada por diferentes razões em diferentes pessoas. Assim, eu parei de me culpar um pouco. Mas o processo é bem longo, até isso acontecer, foram muitos anos, infelizmente, me martirizando bastante”.
“Eu sinto que as pessoas têm muita ignorância sobre o assunto, no sentindo de falta de conhecimento mesmo, pouca informação. Às vezes, elas não entendem o quanto esse tipo de comentário pode afetar, como uma palavra ou um conselho não solicitado pode abalar a autoestima de alguém que já está mal. Precisamos ter muito cuidado e responsabilidade também”, alertou a influenciadora.
Entender que somos livres e que a acne não é uma vergonha e nem um impedimento para viver a vida normalmente foi essencial para Kéren, que junto de tudo isso precisou também desconstruir sua relação com a maquiagem. “Isso foi um processo longo, mas que valeu a pena. Até uns sete meses atrás, eu não conseguia sair de casa sem maquiagem. Foi nesse período que comecei a questionar mais tudo isso, a me fortalecer e fortalecer a minha autoestima em relação à minha pele. Hoje em dia, a maquiagem tem um significado completamente diferente para mim. Eu não tinha uma relação legal com ela, porque, para mim, era uma questão de necessidade, eu precisava esconder as minhas espinhas e manchas. Não era bom e não era divertido, era como uma prisão para mim. Mas, agora, posso falar que eu uso maquiagem porque eu gosto e me sinto bem, e não porque tenho que cobrir toda a minha pele para me achar bonita“.
“É uma mudança que primeiro tem que acontecer na gente. Nós não podemos esperar que as pessoas nos vejam de maneira diferente, a gente tem que se ver primeiro. Quando nos enxergamos dessa forma, passamos a mensagem para os outros, isso muda o olhar deles sobre nós. Eu percebi muito essa mudança de comportamento das pessoas ao meu redor quando eu comecei a falar mais abertamente sobre essas questões, justamente porque isso aconteceu em mim primeiro. Se eu fosse esperar vir dos outros, quanto tempo eu não teria perdido e quantas coisas eu não teria deixado de fazer na minha vida?“, continuou.
Questionando os preconceitos
“A medida que eu fui entrando em contato com outras pessoas que também passavam por isso, que falavam sobre esse assunto e questionavam, isso fez a diferença para mim, me ensinou também a rebater esses preconceitos e os julgamentos. É engraçado, porque quando a gente começa a ter essa atitude, as pessoas não sabem o que falar, ninguém tem resposta. Isso foi essencial para a minha autoestima”.
Foi a partir desse desejo que, por volta de 2016, Kéren começou a falar mais sobre a acne e compartilhar a sua vivência nas redes sociais. “Um dia, eu vi na internet uma menina que estava com apenas uma espinha no rosto falando que ela estava horrível, que sua pele era péssima. Eu me lembro de ver esses Stories e pensar: ‘Poxa, se ela com uma espinha no rosto está se sentindo assim, então como eu devo me sentir?’. Isso me incomodou muito, e foi quando me despertou a vontade de abordar o assunto. Muita gente entrou em contato comigo depois disso para compartilhar suas experiências, e eu percebi que as pessoas não discutiam sobre esse tema. Conforme fui passando essa mensagem para frente, isso ficou ainda mais forte em mim.”
A luta pela “pele livre”
“Eu costumo falar que esses movimentos da ‘pele livre’ e skin positivity são completamente relacionados a liberdade. Não é de forma nenhuma incentivando as pessoas a não se cuidarem, a não se tratarem, mas é sobre você ser livre para ser quem quiser, e sobre não ter vergonha, independentemente da condição de pele que você tenha, porque isso não pode fazer com que alguém pare de viver“, explicou Kéren.
“Às vezes, as pessoas pensam: ‘Mas isso é romantizar a acne, tem que procurar um tratamento’. Porém, não é simples assim. Muita gente não tem condição financeira para fazer os cuidados necessários, porque eles são caros. Em outros casos, pode ser que um problema de saúde impeça o tratamento mais intenso, por exemplo. É injusto que alguém pare de viver enquanto não tiver uma pele sem acne. Nós não podemos deixar de fazer o que nos traz felicidade por conta disso“, disse.
Superando juntos
“A primeira coisa que a gente tem que entender é que nós não estamos sozinhos, muitas pessoas têm acne e isso não deveria ser uma questão que causa alarde em ninguém. É muito importante entender que não há nada de errado com a gente. O principal é não ter vergonha e ser livre. Quando eu me conectei com outras pessoas e entendi que mais gente passava pelo o que eu passava, eu me senti inspirada e acolhida. Procurar informações corretas também é necessário, uma coisa que me salvou em relação à minha autoestima foi entender as reais causas que essa doença pode ter“.
“Se cercar de pessoas que te façam se sentir bem e aprender a questionar todos esses preconceitos também é importante. Os movimentos body positive e dos fios naturais, por exemplo, começaram assim, com pessoas dando voz a eles. A hashtag do skin positivity é muito legal, é uma comunidade muito acolhedora, que nos ajuda a nos identificarmos. Acompanhá-la me ajudou muito e é uma dica que eu gostaria de dar”, finalizou Kéren.
Juntos, podemos desconstruir esses preconceitos e transformar a sociedade em um lugar mais inclusivo e acolhedor para todos. Vamos nessa?