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20 de novembro: Por que Dia da Consciência Negra e não ‘humana’?

A nossa colunista Ana Carolina Pinheiro comenta a importância da data para pessoas negras (e não-negras).

Por Ana Carolina Pinheiro Atualizado em 20 nov 2018, 14h10 - Publicado em 20 nov 2018, 10h00

Tortura. Medo. Autoridade. Desprezo. Essas eram algumas das coisas que estavam presentes todos os dias na vida de uma pessoa negra escravizada no Brasil. Teoricamente, a partir de 13 de maio de 1888, o sistema escravocrata no país não existia mais, já que a Lei Áurea foi assinada. Mas, na prática, a abolição não garantiu uma condição humana para os negros recém-livres. Antes de conquistar a libertação, eles já fugiam das fazendas e das expedições para os quilombos, lugar de acolhimento, livre para a prática de religiões e cultura de matrizes africanas e atividades agrícolas e extrativistas.

Reprodução/Getty Images

O maior quilombo no Brasil na época do período colonial foi o Palmares, que ficava na capitania de Pernambuco, onde agora encontra-se o estado de Alagoas. Surge deste lugar de resistência a escolha de 20 de novembro como data para representar o dia da Consciência Negra, já que Zumbi dos Palmares, o último líder do quilombo, morreu nesta data. Zumbi e sua esposa Dandara, que dominava a arte da capoeira e as estratégias contra os ataques ao quilombo, não concordaram com um documento antecessor à abolição, que dava liberdade só para alguns e não previa o fim da escravidão.

O casal de guerreiros, junto com uma grande parte da população negra, construiu na “vida real” uma história digna dos contos heroicos africanos com batalhas, conquistas, perdas e espiritualidade. Um legado inspirador e que transformou o rumo das futuras gerações. Se hoje o trabalho escravo é crime e nós, negros, somos livres, é graças a todos eles. Mas arrisco a dizer que esses personagens da história negra do Brasil não imaginavam que o desenrolar desse enredo, que dura há séculos, seria tão lento.

Assim como na época da escravidão, atualmente, o Brasil continua sendo um lugar perigoso e cruel para as pessoas negras. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a cada 23 minutos um jovem afrodescendente é morto no país. Entre as mulheres negras que entram no ensino superior, apenas 10% termina o curso, de acordo com o IBGE. Em relação ao feminicídio, as jovens negras também estão na mira, já que o risco delas serem assassinadas é duas vezes maior do que garotas brancas, segundo o Índice de Vulnerabilidade Juvenil à Violência divulgado em 2017.

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Reprodução/Getty Images

Se ler esses dados incomoda e provavelmente bate uma revolta, imagina o que essa tensão pode causar na vida de quem vive e vê essas situações diariamente. Não é à toa que os distúrbios psicológicos estão sendo identificados cada vez mais na vida das pessoas negras. Depressão, ansiedade, crise de pânico e sensação intensa de solidão são alguns dos desdobramentos do racismo na saúde mental. Por isso, o acompanhamento com profissionais especializados e a prática de terapia são saídas tão importantes. Em algumas universidades e ONGs, o atendimento é feito gratuitamente ou com valores mais acessíveis.

Na internet, o sentimento de reconhecimento e o ódio parecem caminhar lado a lado, o que pede a nossa atenção para não surtar ou gastar energia com comentários absurdos. Os youtubers negros, por exemplo, falam sobre temas variados e, normalmente, questões raciais de maneiras diversas. Ou seja, tem para todos os gostos: estilo de vida, beleza, comédia, tecnologia, cultura e por aí vai. Com eles, as pessoas negras passaram a se reconhecer e aproximar mais. Se era difícil encontrar pessoas negras em determinados lugares, as redes sociais fazem o papel daquela amiga legal que junta todo mundo. Além disso, os não-negros também começaram a consumir mais esse tipo de informação e entender que são agentes importantes nessa discussão.

Falar que nós, negros, não evoluímos em questão de direitos e conquistas de espaços nesta sociedade que disfarça o racismo a todo custo é injusto. Mesmo com gente torcendo o nariz, as cotas e os programas de incentivo e financiamento estudantil estão levando estudantes negros para as universidades, as emissoras com profissionais majoritariamente brancos são questionadas e incentivadas a contratarem negros, as feiras literárias contam com um número maior de autores negros, entre outras transformações necessárias. Mas, infelizmente, a proporção dessa inserção e valorização de afrodescendentes é desesperadora quando comparamos com o número de brancos, por exemplo. Ou seja, a conta está demorando para bater e a desigualdade racial precisa ser combatida com mais políticas públicas, respeito e ações antirracistas de pessoas não-negras.

Nunca fomos tratados iguais aos outros. Os direitos que valem para alguns, para nós, negros, são desconsiderados. Logo, o Dia da Consciência Negra serve para todos refletirem e buscarem alternativas de verdade para mudar a realidade cruel que as pessoas negras ainda passam no Brasil. Não queremos parabéns, nem #somostodos alguma coisa. Queremos que esse dia, assim como os outros 364 do ano, seja um incentivo para você, não-negro, pensar e agir contra o racismo.

Se você quiser sugerir algum tema para a coluna, O Nosso Lado da História, tirar dúvida ou conversar, fique à vontade para mandar um e-mail para anacarolipa16@gmail.com.

Ubuntu!
@anacarolipa

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