A adolescência do imediatismo está acabando com a saúde mental dos jovens

Esperar por uma resposta é doloroso, assim como ter uma publicação flopada ou não conseguir zerar o contador de mensagens não lidas. Desacelerar é preciso.

Por Isabella Otto Atualizado em 8 set 2019, 10h05 - Publicado em 8 set 2019, 10h05

Faz quanto tempo que você não desbloqueia o celular? Alguns segundos? Minutos? Ele está desbloqueado neste mesmo instante em que você lê esta matéria? A comunicação nos dias atuais é muito diferente da que as pessoas tinham há 36 anos, quando o primeiro celular foi lançado pela Motorola. Pode parecer muito tempo para você, que provavelmente nem era nascida, mas historicamente é um tempo bastante curto. As pessoas finalmente podiam se comunicar sem precisar usar aparelhos com fios presos à tomadas, e isso foi uma revolução. As coisas se tornaram ainda mais transformadoras em 2007,  24 anos depois, quando o primeiro iPhone foi lançado, tornando a interação entre as pessoas ainda mais imediata. A chegada dos 3G e 4G só potencializou essa conectividade. Os bips foram substituídos por ligações, que foram substituídas por mensagens de texto, que foram substituídas por aplicativos de mensagens instantâneas. Hoje, se uma pessoa demora um pouco mais para responder no WhatsApp ou Telegram, já incomoda. Imagina se voltássemos para a época das cartas, em que a conversa, às vezes, demorava meses para ser concluída?!

Na última semana, o Instagram anunciou que não mostrará mais o número de curtidas nas publicações. A novidade está em teste no Canadá e tem o intuito de valorizar o conteúdo. Provável futura atualização não foi bem recebida pela maioria dos usuários, que quer os likes públicos. Francesco Carta fotografo/Getty Images

Frequentemente, as redes sociais são tidas como as culpadas pelo aumento dos casos de ansiedade e depressão. Nos últimos dez anos, o número de pessoas com depressão aumentou 18,4%. Isto significa que 4,4% da população mundial convive com a doença. Estamos falando de mais de 320 milhões de indivíduos. E adivinha? Na América Latina, o Brasil é o país em que essa taxa mais aumentou, de acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde). Coincidentemente, ou não, o Brasil é um dos países que mais utiliza redes sociais no mundo.

Outra pesquisa bastante interessante, realizada pela Global Mobile Consumer Survey 2018, intitulada “A mobilidade no dia a dia do brasileiro”, chegou aos seguintes dados:

  • os brasileiros desbloqueiam diariamente o celular, em média, 78 vezes e esse número sobe para 101 quando tratamos de pessoas entre 18 e 24 anos;
  • 30% dos entrevistados garantem que “perdem a hora” de dormir porque ficam vagando sem rumo pelas redes sociais;
  • 42% deles se esforçam muito para limitar o uso do celular, mesmo que, na maioria da vezes, sem sucesso;
  • mais de 60% já utilizaram o celular para resolver problemas do trabalho fora do horário de serviço, ou seja, no que teoricamente deveria ser o horário de descanso.
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Em 2018, o Journal of Social and Clinical Psychology também realizou um estudo que mostrou que redes como Facebook e Instagram realmente intensificam os sintomas da ansiedade e depressão. Dois grupos de pessoas foram observados por três semanas: um podia usar o celular indiscriminadamente e o outro tinha o acesso restrito. O segundo grupo, que só podia usar as redes sociais dez minutos por dia, apresentou uma diminuição significativa nos sintomas de depressão, além de se sentir menos solitário. Ué, mas não deveria ser o contrário? Àqueles que tinham acesso às plataformas e podiam interagir virtualmente com as pessoas não deveriam se sentir menos sozinhos? Na verdade, não. “É possível que jovens adultos que se sentiam isolados socialmente recorreram às redes sociais. Mas pode ser que o uso cada vez mais intenso de mídia social levou eles a se sentirem isolados do mundo real“, explica Elizabeth Miller, professora de Pediatria da Universidade de Pitsburgo, nos Estados Unidos.

Para a especialista, “somos criaturas sociais, mas a vida moderna tende a nos isolar em vez de nos aproximar”. A internet e as redes sociais realmente nos conectam de forma imediata com outras pessoas, mas esse imediatismo nem sempre é recíproco, o que pode gerar, muitas vezes, a sensação de abandono, desconfiança e até mesmo traição. “Ah, minha amiga não me respondeu, mas vi que postou um monte de Stories em um rolê para o qual não fui chamada” ou “por que essa pessoa está demorando para me responder? Será que é falta de interesse? O que fiz de errado?” são sentimentos comuns, que passam pela nossa cabeça.

Artur Debat/Getty Images
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Outras duas coisas que podem acontecer e estão ligadas a esse imediatismo são: (1) ansiedade para postar uma foto e/ou vontade de sair de casa só para ter fotos para postar, sendo que você pode publicar essa imagem mais tarde e deveria sair porque está com vontade de conhecer lugares e pessoas, não porque está sem foto nova; e (2) as pessoas postam a todo momento e recebem curtidas quase que instantâneas, principalmente as celebridades e os influenciadores, que publicam algo e, quase que no mesmo momento, já recebem milhares de comentários. Esse cenário pode causar uma frustração muito grande em quem não recebe toda essa atenção dos seguidores. A vida em função de likes causa ansiedade, e o imediatismo dos likes piora esse estado.

As redes sociais não são vilãs, mas elas podem intensificar um quadro que é geral: ansiedade e depressão são consideradas os males da adolescência, sendo que o suicídio é uma das principais causas de morte entre os jovens adultos no mundo todo. É preocupante, porque é muito fácil perder o controle com relação à internet. A gente sabe que não é saudável, mas o celular é viciante. Existe até um nome científico para esse vício: nomofobia (medo de não pode usar mais o aparelho). Existem algumas sugestões de coisas que podem ser feitas para combater esse vício, como não carregar o celular dentro do quarto, dormir com ele longe da cama, deixá-lo na mochila e não no bolso… Também é possível perceber quando, o que deveria ser um prazer, está se tornando algo perigoso para a saúde mental. Você interrompe tarefas importante para dar uma checada nas redes sociais? Você deixa de conversar com amigos e familiares pessoalmente para interagir com pessoas virtualmente? Você fica dando refresh na página de curtidas de cinco em cinco minutos para ver quantos likes novos recebeu? Você fica ansiosa para postar uma foto ou um vídeo? Você tem a necessidade de documentar tudo que vive? Você leva o celular até para o banheiro? Você fica triste quando aquela publicação não faz tanto sucesso quanto achou que faria? São perguntas bem básicas, mas que podem dar um direcionamento.

Não é preciso deixar de usar o celular, até porque ele é útil em inúmeros momentos e muitas pessoas precisam dele para trabalhar, mas é preciso usar filtros – e não estamos falando daqueles do Instagram ou de aplicativos de edição de imagens. Saiba ponderar o uso das redes sociais e, o que é mais importante, tenham plena certeza de que a vida que você vê as pessoas vivendo online nem sempre é 100% sincera, seja com aqueles que a vivem, seja com aqueles que a acompanham. Além disso, é aquela coisa: você realmente está vivendo o momento quando filma um show do começo ao fim e assiste ao seu ídolo pela tela do celular? A vida, suas alegrias e seus momentos podem mesmo ser medidos por quantidade de curtidas e por alguns diâmetros de tela? É muito legal ter likes e se tornar alguém relevante nas redes, mas essas coisas não são as mais importantes, mesmo que isso soe um pouco hipócrita e que você não acredite nisso hoje, quando o Instagram pode parecer a coisa mais legal do mundo e um possível futuro ganha pão. Ele pode ser incrível, sim, assim como qualquer rede social, se você aprender a ressignificar prioridades e ter essas plataformas digitais como suas aliadas, não o contrário, quando você passa a viver em função delas.

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(pausa para uma musiquinha que tem tudo a ver com o assunto porque nossa saúde mental merece – e porque o timing foi perfeito!)

Mesmo com tantas tendências dos anos 90 sendo retomadas na moda, a ideia de voltar tecnologicamente no tempo ainda parece romântica e nostálgica demais, algo muito Gil do filme Meia-Noite em Paris. Mas faça um reflexão: como você se sentiria se começasse a trocar cartas com seus amigos? Você conseguiria esperar por uma resposta que pode demorar semanas ou meses? Provavelmente, não. O imediatismo faz parte do nosso mundo, nosso cérebro já se acostumou com o fato de que recebemos dezenas de informações por minuto e que aquele sinal vermelho de notificação de mensagens e e-mails não lidos sobre os aplicativos é motivo de pânico. Mas talvez não seja.

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Trate tão bem da sua saúde mental quanto você trata aquela foto antes de publicar no feed para os outros verem. Ou melhor, não trate. Porque pode ser que, dessa maneira, você mascare algo gravíssimo. Vamos conversar muito mais sobre isso por aqui, mas que tal começarmos com uma simples mudança? Não mexer no celular nem antes de dormir nem logo quando acordar? Lidar com a ansiedade que isso pode causar nos primeiros dias pode não ser fácil, mas, a longo prazo, e um não tão longo assim, você vai ver como nem vai mais sentir esse antiga dependência. A adolescência do imediatismo tem que ser uma aliada, não uma inimiga – nem deve ser mascarada.

Em breve, a gente volta a conversar mais. 😉

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