A solidão da mulher negra machuca

A solidão da mulher negra não está só nos relacionamentos amorosos e a exclusão começa ainda na infância

Por Ana Carolina Pinheiro Atualizado em 27 jan 2022, 12h40 - Publicado em 27 jan 2022, 12h40

A solidão é uma coisa que pode afetar qualquer pessoa. Mas neste texto vamos falar especialmente da solidão que está ligada à junção de dois grupos oprimidos: o da mulher e o da mulher negra. Confesso que esse tema me dava frio na barriga só de pensar, mas, depois de conversar com amigas, ver vídeos e ler textos sobre o assunto, percebi que a solidão não era algo exclusivo da minha vida, mas da maioria das mulheres negras. E isso me fez ver o assunto de um jeito menos assustador.

Foto de uma menina negra, com cabelo black power e agasalho preto, olhando para cima
iStock/piola666/Reprodução

Quando comecei a ouvir esse termo, normalmente ele era ligado a relacionamentos amorosos. E acho que nasceu daí o meu receio de falar sobre isso. Identificar as nossas fragilidades realmente não é fácil. Machucava ver todas as minhas amigas dando o primeiro beijo, gostando de alguém e sendo correspondidas, tendo conversas empolgantes com os meninos, enquanto eu continuava sozinha. Juro que realmente queria e quero ver elas felizes, só que o fato de não ter a oportunidade de sentir aquilo e de ser deixada de lado também era bem chato.

Comecei a reparar que as poucas amigas negras que eu tinha também não eram as mais “requisitadas”. É claro que isso não era regra, mas era raro acontecer. Até hoje, quando vejo uma mulher negra com seu namorado ou namorada, fico feliz como se fosse alguém próximo a mim. Tipo uma irmã ou amiga, sabe? É muito emocionante! (risos) Mas isso não quer dizer que não podemos ser felizes sozinhas ou de outras maneiras. Esse foi só um exemplo de uma situação que me alegra.

E para quem acha que a solidão não tem um impacto sério nas nossas vidas, a baixa autoestima é uma das provas mais concretas do contrário. Eu, por exemplo, não conseguia me olhar no espelho enquanto estava com as minhas amigas brancas no banheiro. Inconscientemente, me sentia inferior a elas. Com o tempo, isso foi mudando e comecei a enxergar minha própria beleza. Você reparou que já citei algumas vezes a presença de amigas brancas em situações em que me sentia mal, né? E isso é muito triste, porque nós, mulheres, sofremos ainda mais com essa cultura de comparação entre a gente. No caso das garotas negras, o padrão de beleza eurocêntrico (branca, loira, cabelo liso e magra), que foi e ainda é tão vendido, só nos sufoca e aumenta ainda mais esse clima de competição. Em algum momento de nossas vidas, provavelmente, tentamos nos encaixar nessa caixa. E arrisco dizer que essa busca é puramente na tentativa evitar a solidão.

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Foto de uma menina negra chorando e escondendo o rosto, sentada no chão
iStock/tommaso79/Reprodução

Não querer se sentir sozinha ainda reserva outros problemas, como a submissão e a vulnerabilidade. O medo de perder quem está ali com você pode te transformar em uma pessoa que aceita tudo e não consegue enxergar os próprios desejos. Lembre-se: precisamos de alguém do nosso lado que nos faça bem e aceite do jeito que somos! Um fato que fica mais fácil de identificar o que estamos falando é a violência contra a mulher negra. Segundo a pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, 62% das vítimas de mortes por agressão são mulheres negras.

Até agora, falamos sobre a solidão em relacionamentos amorosos, principalmente nos héteros. Já adianto que na próxima quinzena teremos uma coluna especial sobre o mês do Orgulho LGBTQ+, que também vamos falar da solidão da garota negra nos relacionamentos homossexuais. Mas voltando, a solidão não está presente só nessas questões amorosas. Desde pequena, a garota negra já sofre para encontrar amigos e se sentir incluída em diversos ambientes. E mesmo com tantas coisas mudando, elas ainda continuam sendo excluídas.

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Vi essa publicação no Facebook da estilista e YouTuber Ana Paula Xongani e tive a certeza que realmente muita coisa precisa mudar. Quando comecei a ler a legenda, não tive como não me colocar no lugar da Ayo, filha da Ana Paula. A vontade era de realmente estar no lugar dela para tentar protegê-la de alguma forma, brincar, fazer companhia… Enfim, arrumar um jeito de não deixá-la sozinha. A impotência e tristeza de ver uma criança passando por isso é triplicada quando paramos para pensar que milhares de meninas (e meninos também) vivem essa rejeição e distanciamento. Em seu canal no YouTube, Ana Paula compartilhou este vídeo que fala sobre o começo da solidão da mulher negra. Vale muito a pena assistir!

Para os jovens e adultos, a solidão pode estar presente na escola, nas amizades, na balada, no trabalho e na universidade. A estudante negra do curso de Farmácia na Universidade Estadual Paulista (UNESP), Ludmilla Silva, aproveitou a oportunidade de fazer uma pesquisa acadêmica na faculdade para estudar a parte teórica desse tema que ela já sentia na prática há tanto tempo. “Não foi nada fácil apresentar aquele seminário, é doloroso perceber, como mulher negra e periférica, a solidão que cerca minha vida (não apenas no aspecto romântico da coisa), e é mais doloroso ainda precisar explicar isso em uma universidade pública majoritariamente branca e elitista. Mas decidi que precisava falar tentar mostrar que esse racismo impregnado em nossa sociedade apunhala a mulher negra pelas costas, enquanto tapamos os olhos e vivemos a fantasia dos 130 anos de abolição da escravidão” comenta.

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O mais difícil de tudo é que estamos lidando com pessoas. Escrever sobre situações racistas não é fácil, mas bem ou mal conseguimos propor ideias e boas práticas para evitar isso. Mas nesta coluna vai ser um pouco mais difícil de terminar com mensagens objetivas de como acabar com a solidão da mulher negra, porque estamos tratando de algo muito subjetivo e abstrato que é a troca de afeto entre pessoas. Pessoas que nasceram e vivem em uma sociedade racista (sim, as coisas estão mudando, mas o mundo ainda é racista). Com a quebra dos padrões de beleza, pessoas dispostas a serem mais amigáveis com os outros e que passem esses valores para as próximas gerações, podemos ter uma realidade diferente.

gif de uma mulher negra falando sobre sua mágica
Reprodução/Reprodução

Para as garotas negras como eu, desejo que tenhamos mais sentimentos em comum, além desse que é tão intenso e forte, para nos unirmos ainda mais. Compartilhar a dor é algo que alivia, mas compartilhar felicidade e amor é ainda melhor! Espero que nossas filhas, primas, sobrinhas e netas tenham motivos mais leves para se reunirem, como nós já estamos fazendo.

Um beijo,
@anacarolipa

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