EDITORIAL | Ser menina e crescer livre de violências é um direito
É preciso construir um mundo em que nossas leitoras tenham sua dignidade garantida.
Atravessamos uma semana que não esperávamos viver: primeiro, a notícia de que uma menina de 11 anos, grávida após sofrer um estupro, foi induzida a desistir do aborto legal pela Justiça de Santa Catarina; depois, a Suprema Corte dos Estados Unidos revogou a permissão da interrupção da gravidez no país, um direito que ela mesma garantiu há quase 50 anos; em seguida, a exposição violenta de uma experiência traumática vivida em silêncio pela atriz Klara Castanho. Vítima de estupro, ela descobriu a gravidez e decidiu pela adoção.
Para nós, da redação da CAPRICHO, é impossível não se posicionar diante do horror e da crueldade dos fatos que listamos acima. Por mais que eles sejam diferentes entre si, há um ponto comum: estamos falando da vida de milhares de meninas e mulheres que deveriam existir livre de toda e qualquer violência. Mas a cada dia vemos que esta não é a realidade.
Pode ser um pouco complexo de entender, mas a gente explica: uma mulher foi estuprada, em média, a cada dez minutos no Brasil em 2021. Quase 50 mil casos aconteceram, incluindo estupros de vulnerável, com pessoas do gênero feminino.
Mais de 17 mil garotas como você de até 14 anos foram mães no país só no ano passado. A legislação determina que sexo com menores de 14 anos é considerado estupro de vulnerável. Caso a violência sofrida leve à gestação, como no caso de Klara Castanho e da menina de 11 anos, o aborto legal é um direito garantido. Mas não foi o que aconteceu neste caso e em tantos outros que desconhecemos. Crianças, meninas, adolescentes, jovens não deveriam ser obrigadas a ser mãe.
Você que acompanha a CAPRICHO talvez não saiba, mas existimos desde 1952, somos a primeira publicação da Editora Abril e primeira destinada ao público feminino do Brasil. Naquela época, éramos apenas uma revista impressa de “fotonovelas”.
Ao longo dos anos, se consolidou como veículo especializado no público jovem, especialmente feminino, que pautou temas relevantes para a juventude nos anos 90 e 2000 – quando a internet chegou para revolucionar tudo, deixar o impresso de lado e materializar o site que você conhece hoje.
E sim, podemos dizer que as concepções de adolescência, sexualidade e gênero de várias gerações foram também moldadas e inspiradas pela CAPRICHO (como esquecer da Luana Piovani na capa – ainda impressa – com manifesto pelo uso da camisinha? E do primeiro documentário vertical da história sobre os coletivos feministas nas escolas? Sem falar no projeto #GirlPowerCH no nosso canal do YouTube). Falamos sobre assuntos difíceis e entendidos como tabu pela sociedade há muito tempo.
Hoje podemos – e queremos – ser uma conexão com o melhor que a sua adolescência pode proporcionar: desde curtir as suas séries e filmes favoritos até mostrar o que é ou não tendência de estilo. Mas existe uma função no nosso trabalho como jornalista que vai além: contar histórias que ampliam as nossas perspectivas e que ajudam a explicar o mundo para você. Nele, você deve ser autônoma e ter o poder de decidir sobre o próprio corpo, por mais que digam que não.
Em um momento em que acontecimentos colocam à prova direitos já garantidos de meninas e mulheres no Brasil e no mundo, queremos que nossas leitoras saibam que vamos continuar a publicar reportagens com orientações sobre tudo o que envolve o universo feminino, para que você tenha informação qualificada sobre saúde, comportamento e acesso à histórias sobre os direitos reprodutivos, sexuais e tantos outros que afetam o sonho e o futuro de toda uma geração – ah, inclusive, os direitos das meninas e mulheres e a questão ambiental estarão em alta na corrida eleitoral de 2022, viu?
Desde vídeos de receitas, dancinhas e entrevistas que publicamos no TikTok e no Instagram até o projeto editorial CH na Eleição, desejamos contribuir com a construção de um mundo onde nossas leitoras tenham acesso à informação e sua dignidade garantida. Que elas não tenham que se preocupar se serão julgadas ou não por suas escolhas sexuais, reprodutivas, de gênero ou sexualidade. Que vocês tenham o direito de crescer com uma vida livre de violências.
Com carinho,
Andréa Martinelli, editora-chefe da CAPRICHO