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Pandemia: “Viram como é ser alguém com deficiência e viver em isolamento”

Para a ativista Mariana Torquato, a pandemia de coronavírus serviu para escancarar ainda mais a sociedade capacitista em que vivemos

Por Isabella Otto 24 out 2020, 10h04
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Divulgação/CAPRICHO

Uma das frases mais corriqueiras de 2020 foi: “Nunca imaginei que fosse passar por isso”. Em um ano atípico, muitas pessoas tiveram seus direitos básicos negados por causa da pandemia de coronavírus, como o de ir e vir. Esta é, contudo, a realidade de grande parte das pessoas com alguma deficiência física, como alerta Mariana Torquato, de 28 anos, administradora, palestrante, ativista e dona do maior canal de YouTube sobre deficiência do Brasil.

A ativista Mari Torquato é pioneira no YouTube e um dos nomes mais notáveis do movimento das pessoas com deficiência no Brasil Juliana Dias/CAPRICHO

A pandemia serviu para as pessoas verem como é ter seus direitos básicos negados, como é ser uma pessoa com deficiência e viver em isolamento, pois muitas pessoas vivem em isolamento por conta da sociedade capacitista. Não temos o direito de ir e vir, o direito ao trabalho, à independência financeira, não temos o direito de sermos vistos como gente. Acham que pessoas com deficiência não fazem sexo, que não podem se relacionar, que são menos capazes de trabalhar, que não servem para nada, só para emocionar e serem exemplos de superação na internet“, desabafa a criadora de conteúdo.

Segundos dados do IGBE de 2019, 45 milhões de brasileiros sofrem de algum tipo de deficiência física. Em uma sociedade capacitista, em que a deficiência é vista como algo a ser superado ou corrigido, políticas públicas para essa parcela da população são uma exceção à regra. “Nós somos a maior minoria do mundo e também a mais apagada. Falar sobre inclusão é frustrante, independentemente do ano, porque os avanços são muito poucos. À nós, muitos acessos são negados e as pessoas acham que é normal, que está tudo bem. Ninguém boicota um lugar porque ele não é acessível. Somos criados numa sociedade que não olha para o lado. É uma conversa que a sociedade parece evitar, que as pessoas ainda não estão prontas para ter. As pessoas acreditam que a acessibilidade não é um direito, mas uma boa ação. Enquanto a gente tiver esse pensamento, as empresas e os comércios vão continuar achando vários motivos para não respeitar esse direito básico. Não é tão difícil construir uma rampa ou alugar um lugar que seja acessível. A prefeitura também precisa começar a contratar pessoas que sejam especialistas em acessibilidade, porque acabam dando alvará para lugares que não são acessíveis”, relata Mari.

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Durante a pandemia, mais uma vez, a sociedade capacitista se mostrou presente e pulsante. Diversos totens de álcool em gel foram espalhados pela cidade, em estabelecimentos como lojas, farmácias e mercados. A maioria, contudo, inacessível para deficientes físicos, precisando ser acionada com os pés ou ficando presa a paredes a uma altura que não foi pensada para pessoas de baixa estatura ou que se locomovem usando cadeiras de rodas. “É como se não existissem outros corpos. E as pessoas fazem isso sem nem perceber! É a invisbilidade que mantém o sistema capacitista que vemos por aí”, garante a influenciadora, que ainda lembra que, durante anos, quem falava sobre as pessoas com deficiência eram os especialistas, não as próprias pessoas com deficiência: “Nós fomos por muito tempo simples objetos de estudo”.

Mariana Torquato ainda aproveita a oportunidade para fazer um adento: dentro dos movimentos de minoria, os deficientes físicos não são chamados para eventos nem sequer lembrados, mais uma vez sendo invisibilizados pela sociedade, que parece lembrar deles apenas em meses específicos, como durante o Setembro Verde, ou quando realizam algum ato de superação – que, na realidade, se torna apenas uma superação porque direitos básicos ainda lhes são negados. “Matérias de superação não mudam nada. É uma mentira que nos contam que pessoas com deficiência estão aqui para superá-las. Ninguém supera deficiências, a gente se adapta a um mundo que não é feito para nós, mas a gente não tem que superar nada. Se a pessoa conseguiu chegar lá, é mérito da pessoa, não da deficiência. É muito chato quando você conquista uma coisa e vira simplesmente uma notícia de superação. Ser exemplo de superação nunca mudou nada neste país, só reforça uma ideia de que pessoas com deficiência são tão incapazes que qualquer coisa que a gente faz vira notícia. Nem tudo é superação. Algumas coisas são sobrevivência”, declara a YouTuber, que acredita que o futuro é acessível e anticapacitista. Nós também. E você?

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