Precisamos entender que o racismo sofrido por Vini Jr não é caso isolado

Especialistas que vivem no exterior compartilharam a importância de falar sobre o racismo estrutural ainda tão presente dentro e fora de campo

Por NAIARA ALBUQUERQUE Atualizado em 29 out 2024, 18h41 - Publicado em 27 Maio 2023, 08h01

 

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racismo sofrido pelo jogador Vini Junior, do Real Madrid, no último domingo (21), em jogo contra o Valencia, pela primeira divisão da La Liga – campeonato de futebol espanhol – não representa apenas um caso isolado e merece muito a sua atenção. Segundo especialistas que consultamos sobre o tema, é importante olhar para a ”estrutura racista” que existe em todo mundo. E isso parte para uma análise dentro e fora de campo, ok?

Para isso, é importante compreendermos o nosso papel nisso como sociedade e também em como levar esse papo para a nossa galera.

Caso você não tenha acompanhado, Vini Jr foi alvo de insultos racistas – não uma, nem duas, mas diversas vezes nesses últimos meses. Ou seja, não foi apenas a torcida do Valencia que o chamou de ”macaco”.  Um boneco com a camisa do Real Madrid com o número de Vini chegou a ser pendurado numa ponte, dá para acreditar? mas foi apenas nesta última semana que o assunto ganhou relevância mundial.

Nós noticiamos o caso aqui, caso não tenha visto. Agora, vamos mergulhar a fundo neste assunto que foi o tema da semana – e de maior importância para a nossa galera. Para isso, entrevistamos três historiadoras brasileiras, que vivem na Europa, e que nos ajudaram a refletir sobre o tema.

Não basta só tratar um grito racista, senão a gente trata o sintoma e não a estrutura racista que existe. Existem casos de racismo em todo mundo e não apenas no futebol espanhol ou brasileiro. Prender o agressor ou fechar parte do estádio é considerar uma solução única, mas não acaba com o problema

Júlia Belas, que pesquisa as relações de raça, gênero e sexualidade no futebol na University de Bristol, na Inglaterra
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O que aconteceu na Espanha não seguiu um protocolo que já foi estabelecido pela Fifa, a Federação Internacional de Futebol, contra ofensas racistas dos torcedores.

Segundo a organização, quando há um caso explícito de racismo pelos torcedores – como aconteceu com o Vini Jr – o jogo é paralisado juntamente com um aviso nos telões do estádio pedindo para que a torcida pare com as ofensas. Se o aviso for ignorado, os jogadores descem para os vestiários. Se mesmo assim a torcida continuar com as ofensas, a partida é encerrada e pode ser remarcada para um novo momento.

No caso de Vini Jr, esse protocolo não foi seguido à risca. Segundo apuração da CNN, a avaliação da Fifa é de que o que aconteceu com Vini Jr. é grave e deveria ter chegado ao terceiro passo – com a partida remarcada.

Só que é importante entendermos que mesmo essa ação da Fifa não coloca um ponto final nesses casos. O que aconteceu com Vini Jr não é um episódio isolado de racismo. E, por isso, ações conjuntas com torcedores, jogadores, times e organizadores deve ser colocada em prática. Já passou da hora, né?

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Homem acena usando camisa branca e jaqueta preta
Jogador Vini Jr agradece apoio em post do Instagram Instagram/ Vini Jr/Reprodução

A discussão racial na Espanha

A historiadora Mariana Matos, que vive em Barcelona, fez um tweet sobre o caso de racismo de Vini Jr que viralizou. Segundo ela, a Espanha ainda tem muito o que aprender com o Brasil sobre o debate racial. Nós procuramos Matos para entender exatamente o que ela quis dizer sobre isso e como ela tem visto a repercussão do assunto por lá.

Para Matos, mesmo que Barcelona seja conhecida como uma cidade considerada ‘progressista’ na Espanha, ainda há certa dificuldade dos nativos compreenderem seu papel como colonizadores e até de respeito para com os estrangeiros. ”Em relação às discussões de raça nós estamos anos luz à frente. Eu não tô dizendo que o Brasil não seja racista, mas há certas diferenças”, disse à CAPRICHO.

Além da xenofobia e racismo, Matos aponta para a falta de uma militância e produção acadêmica espanhola que consiga levar essas discussões para a população. Além disso, o crescimento de ideais extremistas e neo-nazistas pela Europa também tem dificultado o avanço de ideais progressistas.

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Foi mapeado, inclusive, que um desses grupos foi um dos que iniciaram o ataque contra o jogador Vini Jr. Chamado de ”Yomus”, eles seguem a ideologia nacionalista franquista – o franquismo foi um movimento com ideais fascistas que tinha muitos adeptos na Espanha entre 1939 e 1975.

Em outra parte da Europa, em Berlim, na Alemanha, vive há 6 anos a historiadora Camila Biasotto, que dá aulas para o ensino infantil. Para ela, Berlim é uma das cidades mais progressistas da Europa e, por isso, acaba recebendo muitos imigrantes. Mesmo assim, a questão da xenofobia com muçulmanos e turcos, principalmente, é apontada por ela como ainda muito presente.

Biasotto também conta que há uma preocupação latente na região por esconder e não evidenciar símbolos nazistas em produtos. ”Existem muitas feiras de antiguidade aqui e dá para achar de tudo, capacete de guerra e muitas outras coisas. E eles tampam todos os símbolos”, disse.

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Precisamos agir contra o racismo

Seja na Espanha, no Brasil ou em qualquer parte do mundo, é importante que o combate contra o racismo no futebol (ou fora dele) passe por uma ação efetiva de todas as entidades – e também pessoas envolvidas no caso. Para Belas, é urgente, no caso de Vini Jr, envolver atletas em comissões, assim como os próprios clubes, e também educar todas as torcidas. ”Mesmo quando admitem que há racismo no futebol, não é algo que demonstram ter uma atitude para combater efetivamente. No fim das contas, mesmo quando tem protocolos eles não estão sendo seguidos”, afirmou.

Para Biasotto, cabe, também, entender que o combate ao racismo passa pelo engajamento de toda a sociedade. ”Eu decidi que quando eu vejo um tipo de discriminação contra qualquer outra pessoa, eu interfiro, não fico só reclamando”, destacou.

Ou seja, é necessário agir contra ofensas racistas e de qualquer caráter o quanto antes. Vamos?

 

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