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Sônia Guajajara: ‘Somos as cientistas ancestrais da vida no planeta’

CAPRICHO publica texto exclusivo da ministra dos Povos Originários no 'Livro do Clima', de Greta Thunberg

Por Andréa Martinelli Atualizado em 29 out 2024, 18h29 - Publicado em 30 jul 2023, 06h00
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ônia Guajajara é ativista, política e ambientalista indígena, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e ministra dos Povos Originários do Brasil e acredita que é a sabedoria indígena que tem mantido as comunidades de pé em um mundo que assiste passivo à um colapso consequente das mudanças climáticas.

“Ou seja, aqueles que mais cuidam do nosso planeta, das nossas florestas, das nascentes de água são exatamente os mais impactados por sua destruição. E esse é um fato inegável, reforçado por diversas instituições científicas: os verdadeiros guardiães da floresta e do planeta são os povos indígenas”, escreve ela no artigo “Lutando pela floresta”, publicado no “Livro do Clima” (Companhia das Letras, 2023), organizado por Greta Thunberg e lançado nesta sexta-feira (28) no Brasil.

A jovem escocesa – que se tornou referência para a luta da juventude pelo clima – juntou mais de cem especialistas, entre oceanógrafos, economistas, historiadores, filósofos e líderes indígenas, para construir um livro que pode ser entendido como um “guia da juventude para o clima” que aprofunda, de forma didática, discussões que podem parecer complexas.

Abaixo, CAPRICHO publica um texto exclusivo de Guajajara que integra o livro para você não ficar de fora da discussão:

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“Lutando pela Floresta”

Sônia Guajajara, ativista, política e ambientalista indígena, coordenadora da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e ministra dos Povos Originários do Brasil.

Posse de Sonia Guajajara

A luta contra o apocalipse climático é um esforço global que depende de todos nós para defender nossos territórios. Em todos os cantos do mundo, é essencial que lutemos para preservar os ecossistemas, possibilitando assim que se recuperem dos danos causados pela ganância desenfreada daqueles que, diante da floresta, veem apenas lucros. Sou uma mulher indígena, nascida na Amazônia. Desde muito pequena, entendi a importância fundamental de mantermos os nossos territórios protegidos, pois as vidas, os corpos e os espíritos dos nossos povos estão intimamente ligados ao relacionamento que mantemos com a terra.

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O nosso caminho sempre foi o da defesa da vida. Desde que os primeiros invasores chegaram a essa terra, quando ainda nem era chamada de Brasil, vivemos em estado de alerta diante de ataques reiterados e constantes. O projeto colonizador usurpou os nossos territórios, trouxe doenças e mortes para os nossos corpos, além de fogo e destruição para os nossos biomas. Só conseguimos sobreviver até hoje porque somos guerreiros incansáveis e recorremos à força dos nossos ancestrais para defender a Mãe Terra.

Em setembro de 2021, durante a Segunda Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília, lançamos a plataforma Reflorestarmentes, concebida para conectar projetos comunitários inovadores de conservação ambiental e compartilhar com o mundo os conhecimentos e a sabedoria das mulheres indígenas. Vivemos numa época em que várias crises globais estão devastando a humanidade e a nossa Mãe Terra.

Só conseguimos sobreviver até hoje porque somos guerreiros incansáveis e recorremos à força dos nossos ancestrais para defender a Mãe Terra

Sonia Guajajara
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As crises climática e ambiental, a crise de um sistema econômico excludente e desigual, a crise da fome e do desemprego, a crise do ódio e da desesperança. Essas crises sobrepostas afetam de forma mais aguda os povos originários do mundo, que dependem intimamente do relacionamento com os seus biomas. Ou seja, aqueles que mais cuidam do nosso planeta, das nossas florestas, das nascentes de água são exatamente os mais impactados por sua destruição. E esse é um fato inegável, reforçado por diversas instituições científicas: os verdadeiros guardiães da floresta e do planeta são os povos indígenas. Eles representam cerca de 5% da população mundial e não ocupam mais do que 28% do território global. 

No entanto, os povos indígenas são responsáveis por proteger e preservar 80% da biodiversidade que, junto conosco, existe na Mãe Terra. Essas estatísticas reforçam algo que repetimos há séculos: não existe futuro possível para a humanidade sem que nós, os povos indígenas, sejamos levados em conta. Agora vou dar um passo adiante e reivindicar para as mulheres indígenas um lugar central na luta em favor de um futuro para a humanidade. Pois, em muitas comunidades indígenas, cabe a nós, mulheres, cuidar dos nossos ecossistemas e mantê-los, além de preservar os nossos conhecimentos por meio da memória e dos costumes. Nós vivemos em harmonia com as florestas durante milhares de anos, manejando-a de forma a assegurar melhores condições de vida para nós e para as próprias florestas — ou seja, elas não são selvagens, como costumam ser vistas pelos forasteiros, mas cultivadas.

em muitas comunidades indígenas, cabe a nós, mulheres, cuidar dos nossos ecossistemas e mantê-los, além de preservar os nossos conhecimentos por meio da memória e dos costumes

Vamos organizar e compartilhar os nossos conhecimentos ancestrais e milenares de modo a oferecer à humanidade um projeto abrangente para o futuro — que permita a continuidade da vida no planeta de um modo mais equilibrado e igualitário. Não somos as donas da verdade, mas, durante o tempo que vivemos neste planeta, nós — e os nossos antepassados — aperfeiçoamos saberes e tecnologias que hoje se tornaram mais necessários do que nunca. Temos de promover um modo de vida que harmonize a existência humana e a continuidade plena e vigorosa dos nossos biomas. E as mulheres indígenas sabem como fazer isso, pois somos as cientistas ancestrais da vida neste planeta. E estamos dispostas a partilhar os nossos conhecimentos para que todos tenham uma chance de viver agora e no futuro.

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