girl up lula stf
Lívia Rocha
É uma das jovens líderes regionais da Girl Up Brasil, organização que treina, inspira e conecta meninas para serem ativistas pela justiça social.
Lívia Rocha
girl up lula stf É uma das jovens líderes regionais da Girl Up Brasil, organização que treina, inspira e conecta meninas para serem ativistas pela justiça social.

Fizemos história mesmo sem a conquista de uma ‘preta ministra’ no STF

Lula ignorou agenda de diversidade de gênero e raça ao indicar Flávio Dino, mas não diminui o impacto da mobilização da juventude.

Por Girl Up Brasil 2 dez 2023, 06h00

Perto do meio-dia da última segunda-feira, dia 27 de novembro, a sensação de inquietação tomou conta. Eu me juntei com amigas do trabalho para acompanhar a nomeação de um novo ministro ou ministra ao STF (Supremo Tribunal Federal) pelo presidente Lula. Foi impossível não lamentar a escolha do mandatário pelo atual ministro da Justiça, Flávio Dino.

Um filme passou pela minha cabeça ao constatar o significado do resultado. Isso porque pude não só acompanhar, mas participar de mobilizações lideradas por meninas e mulheres para incentivar a escolha de uma mulher negra na corte. Foi um daqueles momentos em que a esperança e a frustração se entrelaçaram.

A partir de agora, a ministra Cármen Lúcia será a única mulher a ocupar uma cadeira corte mais alta de nosso país – e vale lembrar que, no Brasil, as mulheres são a maioria da população, mas continuam sub-representadas na política.

Flávio Dino foi nomeado para ocupar o lugar da ex-ministra Rosa Weber, que se aposentou no final de setembro deste ano. Antes de Rosa Weber e Carmen Lúcia, apenas uma outra mulher ocupou uma cadeira por lá, a ex-ministra Ellen Gracie.

Com esta decisão, o presidente optou por um caminho diferente daquele proposto por diversas organizações da sociedade civil e movimentos populares; o que falou mais alto foi a relação de confiança estabelecida entre o presidente e seu indicado, além de uma estratégia para agradar co Congresso Nacional.

Mas, então, porque é ruim não ter a nomeação de uma mulher negra?

Dino, com uma longa carreira no Judiciário e da política institucional, é um homem de origem nordestina autodeclarado pardo e, por isso, há quem diga que ele seria uma dissonante da maioria, que é branca, na corte. Porém, o ministro não se posiciona como alguém vinculado ao movimento negro ou às pautas raciais. Então, será que raça realmente é algo que foi levado em consideração para esta escolha?

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Isso é ruim porque o STF desempenha um papel muito importante, atuando como guardião da nossa Constituição Federal. Ele é responsável por interpretar, julgar e aplicar tudo o que está escrito nela com retidão e imparcialidade – e, claro, justiça. Essa função da Suprema Corte transcende o simples cumprimento das leis; é um compromisso com a sociedade, de modo a assegurar que elas estejam alinhadas com reais necessidades.

Ao longo de seus 132 anos de existência, o Superior Tribunal Federal nunca teve uma ministra negra.

Mas a realidade é evidente: mais da metade da população brasileira é composta por pessoas negras. Causa surpresa notar que, ao longo de seus 132 anos de existência e com um total de 171 ministros ao longo de sua história, uma ministra negra nunca ocupou uma cadeira na corte. Esse fato ressalta uma lacuna alarmante na representatividade do mais alto tribunal do país. Então, será que existe, em seus membros, a capacidade de contemplar em suas decisões tanto perspectivas, quanto vivências diversas em nossa sociedade?

Em 2023, Lula teve duas oportunidades para que mulheres chegassem à Suprema Corte. Em maio, quando indicou Cristiano Zanin para o lugar de Marco Aurélio Mello e, agora, ao indicar Flávio Dino para o lugar de Rosa Weber.

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A demanda por uma ‘Preta Ministra’

Para provocar a corte – e o próprio presidente – várias organizações se uniram na campanha “Uma Ministra Negra no STF” neste ano. O movimento não se limitou ao território nacional, alcançando diferentes estados do Brasil, mas também ultrapassando fronteiras, marcando presença em países como França, Índia e Estados Unidos e ressoando de forma especial entre jovens meninas ativistas.

Essa é, sem dúvida, a parte que mais me emociona: testemunhar o impacto inspirador que essa mobilização teve. Ver garotas, muitas delas ainda no início de suas jornadas como ativistas, erguendo suas vozes e lutando por uma representação mais inclusiva.

Apesar da nomeação recente e decepcionante, é crucial compreender que isso não diminui em nada o impacto e o legado do movimento construído por tantas organizações do movimento negro (cada uma com suas diferenças, mas todas unidas por essa bandeira). Pelo contrário, isso reforça e registra o impacto para as futuras gerações.

Precisamos que os nossos representantes espelhem quem somos. Este é um chamado inequívoco para enegrecer o sistema judiciário, garantindo que as vozes e experiências da sociedade sejam consideradas nas instâncias que decidem pelo nosso futuro.

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Este é um chamado inequívoco para enegrecer o sistema judiciário, garantindo que as vozes e experiências da sociedade sejam consideradas nas instâncias que decidem pelo nosso futuro.

Lívia Rocha, é líder regional Girl Up Brasil

Eu sei que fizemos história. A nomeação recente não encerra minha esperança, principalmente ao olhar para o entusiasmo e a força das garotas que se envolveram nesse movimento. Eu vi meninas fazendo ações com lambe-lambe nas ruas, estudando e produzindo conteúdos informativos nas redes sociais, se inspirando em juristas mulheres. São elas que renovam minha esperança.

Há um sentimento agridoce no ar. Mantenho a expectativa de que o STF consiga honrar seu papel ao fazer escolhas que beneficiem todos os cidadãos. A representatividade, questão crucial e inegável, permanecerá como um tema vital em nossa sociedade.

Acredito firmemente que o diálogo sobre representação diversificada e inclusiva não será silenciado. Este movimento persistirá, ecoando vozes e demandas por um sistema judiciário que verdadeiramente reflita a pluralidade de nosso país. Que cada decisão do STF seja moldada não só pelas leis, mas também pelo clamor e pela necessidade da população.

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