Embora seja baseada em um livro de ficção, escrito por Walter Tevis, publicado em 1983, a série O Gambito da Rainha, da Netflix, retrata muito bem a vida da húngara Judit Polgar, única mulher a aparecer no ranking dos dez melhores jogadores de xadrez do mundo e a única a disputar um título mundial do esporte. A única diferença, segundo a própria enxadrista, é o fato de que, na vida real, os rivais masculinos não são tão solícitos assim com ela, apresentando comportamentos bem mais machistas que os apresentados no seriado.
Na trama, Beth Harmon (Anya Taylor-Joy) encontra no jogo uma maneira de superar as adversidades da vida. A garota prodígio em diversos momentos questiona o fato de seu gênero aparecer antes das jogadas de especialista que faz, e, apesar de sentir medo, não se deixa intimidar pelos competidores homens, maioria no universo do xadrez.
Ao longo da trama, algumas frases ditas pelas personagens femininas nos fazem refletir sobre a sociedade e sobre como mulheres dotadas de conhecimentos que até então eram dominados por uma maioria masculina podem assustar – vide momento em que Borgov, o grande campeão mundial russo, ao se sentir intimidado por Harmon, tenta convencê-la a aceitar um empate.
1. “Xadrez nem sempre é competitivo. Xadrez pode ser lindo(…) É um mundo inteiro dentro de 64 quadrados. Eu me sinto segura nele [no tabuleiro]. Eu posso controlá-lo. Eu posso dominá-lo. E é previsível, então se eu me machucar, eu só tenho que culpar a mim mesma.”
Beth Harmon (Anya Taylor-Joy) diz essa frase ao explicar que se encantou primeiramente pelo tabuleiro de xadrez, fazendo uma metáfora entre ele e a vida real, que apresenta situações que fogem do nosso controle e que nos machucam.
2. “A pessoa mais forte de todas não tem medo de ficar sozinha.”
Alice Harmon (Chloe Pirrie) diz isso para a filha, Beth, quando ela ainda é uma criança. Ela mostra que, apesar de o ser humano viver em sociedade, apreciar e até precisar da companhia dos outros, é independente e não precisa da muleta de terceiros para encontrar paz, felicidade e força.
3. “Eu não sou seu anjo da guarda. Eu não estou aqui para salvar você. Eu estou aqui porque você precisa que eu esteja. E é isso que a família faz.”
Jolene (Moses Ingram) diz isso para Beth quando a amiga se encontra em um período de dificuldade financeira, antes de emprestar dinheiro para ela. Além de expressar a força da família, a frase mostra que, apesar de precisarmos ser nossa melhor companhia, não podemos descartar o valor das amizades e da sororidade.
4. “O que você sabe nem sempre é o mais importante.”
Dá para traçar um paralelo entra a aspa de Alma Wheatley (Marielle Heller) e o fato de que, muitas vezes, acabamos focando em nós mesmas e nas nossas lutas e se esquecendo de sair da bolha, prestar atenção no outro e nas dificuldades que eles precisam enfrentar, principalmente se levarmos em conta as desigualdades sociais, de gênero e raça do mundo.
5. “Homens vão surgir e querer te ensinar coisas. Você deixa eles fazerem isso e depois vai lá e faz aquilo que você sente que deve fazer.”
Alice Harmon (Chloe Pirrie) sobre mansplaining (quando um homem explica de maneira simplista algo que já é do conhecimento feminino), bropriating (quando um homem se apropria da ideia de uma mulher e leva todo o crédito por ela) e gaslighting (quando o homem distorce informações para abusar psicologicamente de uma mulher, normalmente fazendo-a passar por “louca”).
6. “É preciso ser uma mulher forte para ficar sozinha em um mundo onde as pessoas se contentam com qualquer coisa, só para dizer que têm alguma coisa.”
De novo, Alice Harmon (Chloe Pirrie). Desta vez, sobre não aceitar e se contentar com aquilo que os outros dizem que é o correto ou tudo o que você precisa almejar. Vale destacar que a mãe de Beth era PhD em matemática, ciência que ainda hoje é dominada por nomes masculinos – que dirá nos anos 50 e 60, épocas em que a série se passa?
7. “Eu vou ser uma radical.”
Jolene (Moses Ingram) diz isso para Harmon ao contar para a amiga que quer cursar Direito para ser advogada e mudar o mundo, governado por uma maioria branca e masculina. Vale destacar que nos anos 60, mais precisamente em 1966, foi fundado nos EUA os Panteras Negras, partido político que atuava de forma revolucionária no combate às desigualdades contra os afro-americanos, tendo como lema o “black power”.