‘Até hoje minha mãe nunca me viu jogar futebol’

Sem receber apoio dos familiares, muitas meninas ainda são proibidas de jogar bola.

Por Amanda Oliveira Atualizado em 16 Maio 2019, 17h28 - Publicado em 18 mar 2018, 10h58

O Brasil é considerado o país do futebol e é a nação que mais venceu Copas do Mundo até então, mas ainda carrega marcas de um passado não tão distante em que o futebol feminino foi deixado de lado. Meninas e mulheres que decidem entrar em campo ainda precisam lidar com a ausência de incentivo, falta de apoio financeiro e divulgação da mídia, além do preconceito dos mais conservadores e moralistas.

Torneio Neymar Jr’s Five tem categorias femininas pela primeira vez. Fabio Piva/Red Bull Content Pool/Reprodução

No último final de semana, 10 e 11, a terceira edição do Neymar Jr’s Five realizou as primeiras seletivas, em São Paulo. O torneio, promovido pelo craque brasileiro e disputado mundialmente, abriu espaço para mulheres pela primeira vez e contou com a participação de nove times femininos. A CAPRICHO esteve presente para acompanhar a estreia das garotas no campeonato e conversar sobre as dificuldades que elas ainda enfrentam no esporte.

A competição reuniu desde meninas que começaram a treinar recentemente até mulheres mais velhas que já estão no futebol há anos. Entre essas atletas mais experientes, existe uma opinião em comum: o futebol feminino melhorou muito em comparação ao que era na última década. Ana Maura Serafim, de 30 anos, joga desde os 15 e já chegou a nível profissional. Ela afirma que naquela época não existia quase nenhuma divulgação, o que fazia os times serem mais restritos. Hoje, as redes sociais ajudam um pouco.

Mas, embora já tenha alcançado uma posição mais alta, Ana Maura acha difícil conseguir viver só do futebol por conta da falta de apoio financeiro. “Só se for uma coisa bem certa, com contrato e carteira assinada. Eu já vivi futebol por muito tempo e sei que é aquela coisa incerta, não tem muita segurança. É onde muita menina desiste“, diz. A atleta Alieni Baciega, de 29, também acredita que hoje existem muito mais oportunidades para garotas que sonham em ser jogadoras de futebol. Ela considera que um decreto recente da Conmebol foi um grande avanço para o futebol feminino.

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A exigência declara que, a partir de 2019, os clubes de futebol que não tiverem uma base feminina disputando competições nacionais serão proibidos de participar da Copa Libertadores. O decreto foi dado em janeiro de 2017 e os times masculinos que ainda não se encaixavam na obrigação já estão procurando mulheres que queiram jogar. “Ainda assim, o feminino peca bastante na parte do incentivo, principalmente financeiro”, Alieni conclui.

O time Miga está nas quadras desde 2015. Fabio Piva/Red Bull Content Pool/Reprodução

As oportunidades estão aumentando aos poucos, mas o preconceito dentro das famílias ainda impede que muitas meninas comecem a jogar futebol. É o caso da Thainá Cordeiro, de 22 anos, que começou a jogar escondido quando tinha pouco mais de 10. A mãe dela sempre proibiu o futebol porque “era coisa de homem”. “Eu falava que ia pra casa da minha avó às 14h, mas saía de casa às 11h pra ir jogar bola e só depois ia pra minha avó“, lembra. Thainá conta que jogava descalço ou com algum tênis comum, mas tomava cuidado pra mãe perceber que ela voltava pra casa com o calçado “todo arrebentado”. Só quando Thainá entrou no primeiro estágio, aos 16 anos, que comprou a primeira chuteira. “Até hoje minha mãe nunca me viu jogar”, diz.

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Algumas famílias também proíbem as filhas de jogar futebol porque não querem que “elas se tornem lésbicas”. Foi por isso que a mãe da Nayara Perone a proibiu de jogar e, até hoje, também nunca viu um jogo da filha. Por isso, Nayara ainda é muito frustrada com o próprio futebol. “Minha mãe me proibia ao máximo que ela podia, então eu só comecei a jogar quando tinha 24 ou 25 anos. Se eu tivesse tido uma base, talvez não fosse jogadora profissional, mas pelo menos teria tido a oportunidade igualitária de tentar“, comenta. Hoje, Nayara tem 30 anos.

Thainá e Nayara fazem parte do time Miga F.C., no qual famílias que apoiaram as filhas no futebol são minoria entre as jogadoras da equipe. Alguns familiares até chegaram a tentar mudar a escolha de esporte. Karoline Ferreira praticou tênis durante um tempo por insistência dos pais e Jéssica Miranda acabou entrando para o hóquei, só porque a mãe achava que futebol era muito masculino.

O apoio da família é essencial em qualquer atividade que os filhos decidam fazer, especialmente na infância. Várias garotas relataram que o preconceito dentro de casa foi suficiente para provocar desânimo com a prática do futebol. Por isso, atletas mais experientes como Ana Maura e Alieni disseram que procuram maneiras de incentivar as meninas mais novas a entrar para o esporte, indo até a casa de cada uma e conversando com a família, se for preciso.

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Para os pais e familiares, a CAPRICHO deixa um recado importante: apoiem suas filhas! Se a sua menina gosta de futebol, compre chuteira, meião, leve-a no estádio e torça por ela nos campeonatos. Se ela ainda não pode enxergar apoio do Brasil no futebol feminino, que ela ao menos veja o de vocês.

 

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