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Como mulheres negras se sentem invisibilizadas pelo feminismo branco

Nesses 25 anos sendo mulher preta nesta sociedade racista, aprendi que, no grito, não consigo ser escutada, só que no silêncio também não sou ouvida

Por Marina Campos, colaboradora Atualizado em 30 ago 2020, 17h31 - Publicado em 28 ago 2020, 12h29

Quando falamos sobre feminismo e o que ele abrange, é um exercício diário tentar entender quem o movimento realmente abraça. Por exemplo, nós pretas não somos contempladas pelo feminismo branco, o mais aceito e debatido, e isso é ainda uma grande questão entre as mulheres.

Isso acontece porque a gente só consegue compreender certos assuntos quando os enfrenta diariamente. As mulheres pretas já nascem em desvantagem. Primeiro, por causa da cor de pele. Segundo, por serem mulheres. Para nós, a questão racial vem, sim, antes do gênero. Aprendemos desde criança que não importa o grau de conhecimento que obtivermos durante a vida, nossa capacidade e inteligência sempre vão ser colocadas em questionamento por causa da nossa cor. E quanto mais pretas formos, mais isso se aplica. Já perdi as contas de quantas vagas de emprego me foram negadas mesmo eu sabendo que tinha total capacidade para ocupar o cargo. Na balança, a mulher branca levou vantagem. De novo.

 

O mercado de trabalho só gosta de nos incluir em serviços que sejam menos favorecidos ou sazonais, nos meses em que a discussão sobre racismo está em pauta. Para nós, mulheres pretas, tudo é sempre mais difícil, não importa o quão bonita e capaz você seja. A mulher branca tem um papel muito grande nessa nossa invisibilização, e isso não é nem porque elas querem ou almejam isso. Infelizmente, acontece por questões socioculturais, e se dá da forma mais brutal que alguém possa imaginar. Só uma mulher preta sabe quantas vezes é preterida e desvalorizada quando o assunto é relacionamento. Podemos ser tudo, menos a assumida, a namorada, a esposa. E quando isso acontece, tentam nos embranquecer de todas as formas. No feminismo isso também acontece.

A mulher branca cresce tendo milhares de referências, a maioria em papéis de destaque. Com a mulher preta é diferente. Nós não temos tanto protagonismo. Eu me via na empregada doméstica, assim como minha mãe e minhas avós se viram. Por mais que movimentos antirracistas tenham ganhado destaque neste ano, até as pessoas brancas entenderem que as pretas podem ocupar todos os espaços, não só aqueles que dizem respeito a questões raciais, as coisas vão continuar mudando a passos bem lentos. Nós podemos tudo, mas a cor de pele ainda é notada em primeiro lugar.

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Local de fala é algo polêmico, mas ele existe. Uma mulher branca pode falar sobre racismo. Ela tem total liberdade para fazer isso desde que aprenda a escutar e respeitar o protagonismo das mulheres pretas. Dentro do feminismo é a mesma coisa. A luta é de todas, mas somos nós, mulheres pretas, que continuamos invisibilizadas, mesmo tendo que lutar por coisas que as mulheres brancas já conquistaram e têm acesso.

Tenhamos como exemplo Gabriela Hebling, que participou do BBB19. Ela trouxe à tona muitos debates raciais e feministas importantes, mas ficou conhecida como a chata, a petulante, a lésbica negra militante. Ela teve inclusive seu Instagram hackeado. No BBB20, veio a Marcela Mc Gowan, que tem um perfil bastante parecido com o da Gabi, com exceção de ser uma mulher branca. Ela virou a fada sensata, a merecedora de segundas chances, a do cabelo liso, loiro e rosa, não a do cabelo black power. Até forçaram um casal lésbico que foi bastante romantizado, enquanto Gabi, na edição anterior, precisou lutar até mesmo para validar um discurso que era natural. Mas no BBB20 também teve a Thelminha. Que mulher! Só que a campeã, mesmo tendo sido extremamente coerente, foi acusada em diversos momentos de ser soberba, e teve até o mérito questionado. Em todas as edições do reality, sempre rolam brigas e desentendimentos, mas quando uma mulher preta, principalmente retinta, é a protagonista desses casos, ela é muito mais questionada e taxada de assustadora e louca que uma mulher branca.

Nesses 25 anos sendo mulher preta nesta sociedade racista, aprendi que, no grito, não consigo ser escutada, só que no silêncio também não sou ouvida. Sempre me pergunto, afinal, que dia vou conseguir ter alguma voz? E é aí que o feminismo negro se faz tão necessário e não pode de jeito nenhum ser apagado.

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Marina Campos é estudante de moda, feminista, ativista do movimento negro e faz parte da corrente A.M.E. (autoestima, mental health e empoderamento) da CAPRICHO.

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