Dá para se considerar negra sendo branca com antepassados afrodescentes?
É fácil se identificar como negra quando se trata de uma brincadeira ou deboche.
Dos mesmos produtores de “eu não sou racista, tenho até amigos negros”, vem aí os “eu sou negra porque minha avó é preta também”. Ironias à parte, não é difícil encontrar pessoas que falam essas frases de verdade ou em tom de deboche. Paula Sperling, do BBB19, em um dos inúmeros comentários preconceituosos que despeja no programa, falou aos colegas de confinamento que seria negra, já que sua avó era preta também.
A conversa começou quando Gabi, Rodrigo e Elana falavam sobre suas tonalidades de pele e termos utilizados para defini-las. Os três se autodeclaram como negros, mesmo com tons diferentes. Elana, que tem é negra de pele clara, comentou que se considera assim por conta a etnia de seus pais e avós, além dos seus traços físicos. Mas Paula estranhou o fato da companheira de confinamento se declarar como negra e ainda ironizou: “sou negra, então. Pois a minha avó é negra”.
Bom, vamos voltar algumas casas para entender o problema que está por trás do comentário de Paula. No Brasil, a miscigenação esteve presente em nossa história desde o período da colonização. Na maioria das vezes, não era uma relação de respeito e consentida, mas sim de estupro e abuso de poder. Homens brancos livres, protegidos pelos seus privilégios, abusavam principalmente de mulheres indígenas e negras escravizadas. A partir dessa parte da história do nosso país, gerações começaram a ser formadas, gerando essa mistura de etnias.
Dor, pobreza, falta de liberdade. Por muito tempo e até hoje, a existência dos negros era associada apenas a esses pontos cruéis da nossa história, que aos poucos é ressignificada. Com isso, se definir como afrodescente não é uma tarefa fácil. Algumas pessoas não-negras, às vezes sem perceber, dificultam ainda mais esse processo com falas do tipo: “ah, mas sua pele não é tão escura assim” e “pra mim, você é morena”. Essas frases vira e mexe escapam da boca de indivíduos que buscam atenuar nossa negritude, seja ela com menos melanina ou retinta.
Não existe uma fórmula exata que defina a etnia de alguém. E cada um tem a liberdade para se autodeclarar da maneira que se sentir melhor, pensando em seus ancestrais, características físicas e na sua vivência dentro da sociedade. O importante é que esse posicionamento respeite a própria pessoa e, consequentemente, a trajetória daquele grupo étnico. Agora, se identificar com uma história e luta que não é sua é desrespeito mesmo. Logo, a resposta para a pergunta do título é: não, não dá, pois você não sente na pele o racismo nosso de cada dia.
Para as que estão nesse caminho de descoberta de verdade ou ainda sentem uma dúvida se são negras ou não, recomendo o livro Quando me descobri negra, da jornalista Bianca Santana. Dúvidas, sugestões de pautas e troca de ideias também são bem-vindas no e-mail anacarolipa16@gmail.com e no Instagram.
Beijos,
@anacarolipa