
Neta de Clarice Lispector mostra o processo intuitivo e mágico da colagem
Em entrevista à CAPRICHO, Mariana Valente diz que sua avó também era uma colagista, mas de palavras
ara quem vive em São Paulo, o percurso diário no transporte público não costuma ser divertido ou inspirador – muito pelo contrário. Mas, essa realidade está prestes a se tornar mais poética. Isso porque a estação da Luz, na linha amarela do metrô, agora é cenário para a exposição ‘Projetos Centenários – Clarice Lispector’, uma homenagem interativa a vida e obra da autora.
Ao longo de toda a estação, incluindo as paredes, escadas e postes dos andares, até o próprio vagão do metrô, só há Lispector. A história de vida, das obras e trechos dos clássicos da escritora está escancarada para o público por meio da colagem – uma arte que tem conquistado nossa galera por ser um hobby criativo e divertido.
Unindo de forma única fotos de Lispector com imagens de natureza e estampas coloridas com cores vibrantes, a autoria da colagem é da própria neta da escritora, Mariana Valente. A artista contou, em entrevista à CAPRICHO, que o ponto de partida para a criação das colagens foi justamente as frases icônicas da avó.
A criação das colagens foi um processo analógico e muito experimental, que partiu da escolha de frases que transmitissem conforto ou deixassem a sensação de uma pergunta para as pessoas que entrassem no vagão depois do fim do expediente, ou a caminho do trabalho.
Mariana Valente sobre a criação das colagens da exposição

Valente brinca que desconfia, já há algum tempo, que a avó também era uma colagista, mas de palavras, tendo em vista a “habilidade muito única dela de desconstruir alguns sentidos e trazer umas epifanias do cotidiano de momentos até banais”.
Conhecida pela literatura introspectiva, intimista e subjetiva, Clarice Liscpetor apresentava reflexões profundas a partir de momentos banais, como ao atravessar a rua, tomar o café ou caminhar pela rua. As “entranhas do real”, como exemplifica Valente, eram mergulhadas e analisadas pela avó, que conseguia fazer uma busca tão profunda a partir de uma questão que, no final, a resposta deixava de ser importante.
Esse processo de reflexão e de não saber em qual conclusão chegará – ou se terá algum tipo de resposta, é, para a artista, muito similar ao seu próprio processo de colagem. “Para mim, a colagem é muito esse processo. Eu nunca sei como ela vai terminar, ela acontece a medida em que eu vou encontrando os elementos, tem uma uma coisa de intuição muito grande”.

Enquanto as frases expostas convidam o espectador à espiral introspectiva de Lispector, Valente também propõe uma outra rota ao unir imagem em preto e branco da avó com elementos de cores vibrantes e da natureza.
“Ao mesmo tempo que essas frases foram muito pensadas e escolhidas para a vida cotidiana, a gente também queria poder trazer essa leveza, uma coisa mais lúdica que a colagem permite, incluindo o rasgo como elemento gráfico e visual, que para mim está completamente relacionado com uma forma que eu me identifico com a obra da minha vó”, pontua.

Ao todo, a exposição é um convite imersivo para se misturar à literatura e a vida de Lispector, contando com um espaço destinado às obras, onde o visitante pode levar um livro da autora para a casa, outro destinado a história de vida da autora, com momentos importantes misturados a fotos de sua juventude e vida adulta.
Apesar do conjunto de elementos interativos, é a colagem enérgica de Valente que captura o olhar do espectador e mostra como este tipo de arte abrange diversas possibilidades – se cada você fizesse uma colagem inspirada nas frases de Lispector, a arte seria completamente diferente das expostas pela artista, e não há um jeito certo ou errado de fazê-la. Essa é uma das belezas da colagem, uma arte que permite e promove a criatividade em sua forma mais livre e única, com os elementos que mais te agradam e fazem sentido.
E você, como faria uma colagem inspirada nas obras de Clarice Lispector?