O bullying praticado em sala de aula não termina na escola

'Jovens agem como um espelho. Quando veem um mundo mais agressivo, acham que essa é a forma de resolver conflitos'

Por Isabella Otto Atualizado em 17 mar 2019, 13h14 - Publicado em 17 mar 2019, 10h00

Você, neste exato momento, deve estar lendo esta matéria pelo celular. Ou então pelo computador. Fato é que existe um aparelho eletrônico fazendo essa ponte. É bem difícil imaginar um mundo sem internet, né? As redes sociais são praticamente uma extensão de quem somos. Nelas, podemos, inclusive, ser uma versão melhor de nós mesmas. Uma versão mais descolada, com uma autoestima mais elevada, com mais coragem de dizer coisas que eventualmente não falaríamos pessoalmente. Mas quando você conversa online com uma pessoa, pode acabar sendo mal interpretada ou interpretando mal alguma coisa. É diferente de quando você está cara a cara com sua amiga, olhando nos olhos dela enquanto escuta o que ela tem para dizer. Esse conjunto de fatores é conhecido como cyberdesibinição.

Imagesbybarbara/Getty Images

“O mundo digital não é o mundo real. No mundo digital, nós criamos personagens que podem ser mais ou menos semelhantes às pessoas de carne e osso. Para um adolescente, isso é um mundo perfeito!”, explica Eduardo Calbucci, professor e fundador do Programa Semente, que atua em escolas contribuindo para o desenvolvimento socioemocional de alunos e educadores. Mas essa cyberdesibinição também pode ser prejudicial. Ao sentir que tem espaço para ser e falar o que bem entender, tendo como garantia a tela do computador ou do celular, o adolescente pode acabar praticando (agressor) ou sofrendo (vítima) bullying.

Raramente o cyberbullying se limita ao mundo digital. Na maioria dos casos, ele é uma extensão da realidade – assim como ocorre com as redes sociais. Na adolescência, o bullying acontece com mais frequência na escola, ambiente em que o jovem passa grande parte do tempo. Não é à toa que tantos estudantes falam que o colégio é a segunda casa deles. Não dá, então, para dizer que a escola tem que se manter neutra perante o assunto. “Dá desespero ouvir pessoas dizendo que a escola precisa só dar aula de Português, Química, História, Geografia… É óbvio que isso é essencial, mas a escola é um espaço de convivência, e isso é o mais importante”, garante o especialista, que ainda explica que o bullying começa sempre quando existe uma dificuldade de convivência: “Esse tipo de agressão, que pode ser física e/ou psicológica, sempre pressupõe uma intolerância ao que é diferente”.

Para Eduardo, por mais que a família também tenha um papel importante na educação e na conscientização dos jovens, a escola tem mais excelência para lidar com esses conflitos e, para isso, precisa criar um ambiente acolhedor e permitir que o tema seja abordado pelos professores em sala de aula. “Em primeiro lugar, temos que dar atenção para a vítima, porque é ela que pode sofrer as consequências mais significativas. A verdade é que muitas vezes não ficamos sabendo dos casos de bullying, porque eles vêm associados à vergonha. A escola precisa criar um ambiente em que o aluno se sinta confortável para falar, procurar ajuda. Ela tem que ser um canal empático para o jovem criar uma relação de confiança com o professor“, garante.

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Reprodução/Reprodução

Em casos mais extremos, é necessário que a família do jovem e médicos sejam envolvidos. “Essas ações trágicas não ocorrem de uma hora para outra. Existem sinais anteriores aos quais nem sempre damos atenção”, alerta o especialista, que trabalha em ações de combate ao bullying em escolas e assegura que discutir o assunto em sala de aula melhora o comprometimento escolar e desenvolve as competências do aluno. É promovendo o debate que os professores conseguem ensinar sobre controle de impulso, que prega a máxima de que você não deve fazer com os outros aquilo que não gostaria que fizessem com você. “Quando falamos de bullying, falamos de responsabilidade compartilhada, e a única maneira de se fazer isso é mostrando que os professores têm liberdade para abordar tais questões à medida da necessidade“.

A conversa com Eduardo Calbucci veio bem a calhar. Vivemos um momento em que há muitos questionamentos sobre o que se deve ou não ser abordado em classe, e como deve-se fazer a abordagem. O que pode ser considerado uma influência indesejável? Será que debater sobre bullying em sala de aula vai estimular os estudantes a praticar a agressão ou alertá-los a justamente não praticá-la? Na escola, temos a figura do educador, que, muitas vezes, também vira amigo, pai, mãe, confidente. Ao não conseguir as respostas para suas perguntas no colégio, o aluno fica à mercê da internet, de fake news, de filmes, de músicas… “Imagina uma sociedade em que não ensinamos o controle do impulso e permitimos que, por exemplo, as pessoas andem legalmente armadas? Me dá medo. É um perigo principalmente para as crianças e os adolescentes. Eu vejo com muito temor que a gente possa estar mostrando para os jovens que uma arma seja a solução“, lamenta o especialista sobre os trágicos casos de tiroteios em escolas que foram noticiados ao longo de 2018.

No caso desta matéria, o fim é o começo, mas isso não se aplica no dia a dia. O bullying praticado em sala de aula não termina na escola.

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