Cerca de um mês atrás, o modelo Tales Cotta estava desfilando no São Paulo Fashion Week quando teve um mal súbito e desmaiou na passarela. Ele chegou a ser atendido pelos socorristas, mas não resistiu. Com a repercussão do caso e a preocupação geral a respeito da misteriosa causa da morte do rapaz, teve quem sugerisse que a razão por trás do mal súbito do modelo era a alimentação dele. Tales era vegetariano e, há um ano, havia se tornado vegano.
Contudo, o lado necroscópio do Instituto Médico Legal (IML) divulgado nesta quinta-feira, 23, apontou que a causa da morte do rapaz foi, na verdade, uma doença no coração não diagnosticada quando ele estava vivo. Tales tinha cardiopatia, que evoluiu para um edema pulmonar agudo, acumulando líquido nos pulmões. Ou seja, nada tinha a ver com a alimentação do modelo. Mas, afinal, será que deixar de comer carne realmente pode fazer mal para a saúde?
Para entender melhor sobre esse assunto, a CAPRICHO procurou a chef e nutricionista Rafaela Senderowicz Mold, especialista em nutrição vegetariana. Para início de conversa, ela explica que comer carne não é essencial para o ser humano. “Fala-se muito sobre a questão da proteína completa da carne e, por isso, erroneamente muitas pessoas compartilham o mito de que ela é necessária”, diz.
De acordo com a Rafaela, a proteína é composta por aminoácidos. Por isso, quando alguém diz que aquele alimento possui uma “proteína completa” significa que ele tem todos os aminoácidos essenciais. Ou seja, aqueles que o corpo não produz e, portanto, a pessoa precisa ingerir através da alimentação. “Apesar de não termos uma ‘proteína completa’ no reino vegetal, todos eles são encontrados em abundância e podemos combinar diferentes alimentos (ao longo do dia, não necessariamente na mesma refeição) e ter esse conjunto”, a nutricionista explica. Um exemplo de alimentação completa é o clássico e famoso arroz com feijão. O corpo humano precisa desses aminoácidos, mas não importa realmente se eles estão vindo da proteína animal ou da vegetal. “Não existe absolutamente nenhum nutriente necessário para a saúde humana que esteja presente apenas na carne“, Rafaela afirma.
Muito se fala sobre encontrar alimentos para substituir a carne quando se vira vegetariano, mas isso não é exatamente necessário. Segundo a Rafaela, o que preciso ser feito é uma reorganização alimentar. “Nutricionalmente, para indivíduos saudáveis, a maneira adequada de parar de consumir carne é aumentar o consumo de leguminosas (feijão, grão de bico, lentilha, soja e ervilha). Essas leguminosas, quando combinadas com cereais (arroz, milho, aveia, trigo, cevada, centeio), fornecem todos os aminoácidos que precisamos ingerir (a famosa ‘proteína completa’ encontrada na carne)”, explica. Essa combinação pode ser feita em partes durante o dia, então você não precisa tentar colocar o máximo de aminoácidos possíveis em apenas uma refeição. Por exemplo, você pode optar por um macarrão integral no almoço e um hambúrguer de grão de bico no jantar.
A ideia de que o leite de vaca é a única fonte de cálcio também é um mito, como afirma a nutricionista. “Vegetais como couve, brócolis, mostarda e repolho possuem a biodisponibilidade de cálcio maior do que o leite de vaca (40 a 60% nos vegetais contra 30% do leite de vaca)”, Rafaela explica. Outro pensamento errado é o de que vegetarianos não possuem tanta força e energia para realizar exercícios físicos ou obter resultados neles por não comerem mais carne. “Não falta matéria-prima no reino vegetal para construir músculos. Diferentemente do que se pensa, comer mais proteína do que o necessário não fará com que as pessoas desenvolvam mais músculos. O que causa aumento da massa muscular é a atividade muscular bem planejada, acompanhada da alimentação adequada, descanso suficiente e um bom equilíbrio hormonal”, diz.
Para quebrar a ideia de que não comer carne pode fazer mal para a saúde, é importante reforçar quais os benefícios que uma alimentação vegetariana possui como vantagem em comparação com a onívora (de quem come carne). A nutricionista Rafaela cita alguns: menor mortalidade, risco 50% menor de apresentar diabetes tipo 2, menor pressão arterial, diminuição de risco de desenvolvimento de hipertensão, redução de mortes por infartos (31% em homens e 20% em mulheres), menor mortalidade por doenças cardiovasculares, níveis de colesterol mais baixos, probabilidade duas vezes menor de mulheres apresentarem pedras na vesícula, entre outros.
É claro que reestruturar totalmente a alimentação pode ser uma tarefa bem complicada e que exija um tempo, mas ter um acompanhamento nutricional pode ajudar – aliás, tanto para pessoas vegetarianas quanto para quem come carne. É sempre bom ficar de olho na alimentação, não é? “No atendimento nutricional, podemos explicar sobre a alimentação para que a pessoa não fique presa a uma dieta ou planejamento alimentar e, sim, entenda o que precisa comer, tornando-se livre para fazer escolhas assertivas”, Rafaela explica.
Nos últimos anos, o interesse da população pela alimentação vegetariana no país cresceu bastante. De acordo com uma pesquisa feita pelo Ibope para a Sociedade Vegetariana Brasileira em 2018, o Brasil tem cerca de 30 milhões de vegetarianos. Isso representa 14% da população total brasileira. E você? Já pensou em se tornar uma vegetariana?
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