Algumas pessoas usam o fato de a vítima de um crime pertencer a uma classe social mais baixa para ~justificar~ o ocorrido e transformar essa mesma pessoa em culpada. E não é preciso ir muito longe para notar isso. Na rua de casa, na festa de família, no feed do Facebook. “Jovem negro é morto durante ação policial em comunidade”, diz o título da matéria. “Com certeza era bandido”, diz o comentário mais curtido da publicação. “Garota é estuprada por arquiteto renomado”, noticiam. “Devia estar pedindo, pois um cara estudado não faria algo do tipo à toa”, julgam.
No início de dezembro, mais precisamente no dia 4, Yuliana Andrea Samboní, de 7 anos, brincava em frente a sua casa, nas proximidades do Bosque Calderón Tejada, periferia de Bogotá, quando foi sequestrada por Rafael Uribe Noguera, arquiteto de 37 anos que faz parte de uma tradicional família colombiana. A criança foi encontrada morta em um apartamento que pertencia a Rafael. As investigações concluíram que antes de ser asfixiada, Yuliana foi violentada sexualmente. Após ser informada sobre o crime, a família do arquiteto apenas soltou um comunicado lamentando o ocorrido e pedindo perdão em nome do irmão.
Por mais inacreditável que pareça, não faltaram comentários que simplesmente destacavam o fato de Yuliana ser uma jovem da periferia – sem nem ao menos se lembrarem de que, antes de tudo, ela era uma criança. Rafael, por outro lado, é rico, graduado, “de família”. Quem ligaria para a morte de mais uma criança colombiana pobre? Em breve, o crime seria esquecido e, com dinheiro, o arquiteto se safaria assim como muitos outros criminosos ricos ao redor do mundo. Injustiça nunca mais!
A página do Facebook Cadena Perpetua Para Rafael Uribe Noguera clama exatamente por justiça. Este não é só mais um caso de feminicídio. É um caso de feminicídio, de pedofilia, de estupro e assassinato. Não há como transformar a vítima em culpada – isso faz de você um cúmplice. Rafael Uribe Noguera segue sendo julgado. Muitos bens do ~rico e respeitoso arquiteto~ estão sendo apreendidos. A Justiça está sendo feita nos tribunais, mas é preciso que ela também seja feita por nós, aqui fora.
Da próxima vez que você tentar justificar ou ver alguém justificando um crime com argumentos do tipo “mas a vítima era negra/pobre/mulher”, lembre-se da reflexão que leu por aqui. Não há como justificar o injustificável.
“Niñas sin medo”, tenha a ~niña~ 7, 17, 47, 77.
+ Leia mais: Argentina grita pelo fim do feminicídio com movimento #NiUnaMenos