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Júlia Yamaguchi enfrenta o maior desafio da carreira em Sintonia

Nos novos episódios, a série retrata a realidade dos presídios femininos no Brasil

Por Arthur Ferreira Atualizado em 29 out 2024, 18h24 - Publicado em 20 ago 2023, 10h08

Ao retratar com fidelidade a realidade dos presídios femininos, a nova temporada de Sintonia tem sido muito elogiada pela crítica e pelo público. Em conversa à CAPRICHO, a atriz Júlia Yamaguchi nos contou como foi ver sua personagem, Scheyla, crescer na trama e ganhar uma nova camada tão complexa ao ser inserida no contexto do cárcere. A atriz também revelou mais sobre a construção e preparação de seu papel.

Com certeza, de todas as temporadas, essa foi onde exigiu mais da minha atuação e da compreensão do roteiro todo, porque não era só o arco da Scheyla, a história dela conversava com a dos outros personagens”

A produção acompanha a vida de três jovens Nando (Christian Malheiros), Doni (Jottapê) e Rita (Bruna Mascarenhas) que cresceram juntos em uma favela de São Paulo, influenciados pelo fascínio do funk, do tráfico de drogas e da igreja. Scheyla é a esposa do traficante Nando, que acaba indo presa acusada de ser cúmplice do marido após uma troca de tiros entre a polícia e organização criminosa que controla o tráfico de drogas na série.

Júlia conta que foi um baque muito grande descobrir o novo arco de sua personagem, que vem carregado de responsabilidades ao retratar a realidade das mulheres dentro do sistema penitenciário brasileiro.

“Minha reação foi ‘caramba, que responsa. e agora? como que eu vou estudar e entender esse universo que eu não tinha praticamente nenhum conhecimento?’ Então foi aí que eu comecei a estudar bastante, quando eu entendi que era uma responsabilidade muito grande retratar a realidade dessas pessoas, sendo que a gente tinha pouca referência de outras obras do audiovisual em relação ao presídio feminino no Brasil.”

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Sintonia é uma das primeiras produções audiovisuais brasileiras a retratar essa realidade. A atriz estudou por meio de documentários, livros e também teve a oportunidade de visitar duas penitenciárias, acompanhar reuniões de detentas com a defensoria pública, conhecer as celas, o local de trabalho delas e a ala de maternidade.

“Foi quando eu consegui falar com as mulheres que estão no sistema que eu entendi como seria a Scheyla nesse contexto. Isso porque ela é vista como ‘cunhada’, que é um termo utilizado para mulheres dos homens envolvidos no tráfico. Então essa mulher já entra com algumas funções ali dentro do presídio. Foi com essas mulheres que eu conversei sobre a maternidade, sobre com quem estão os filhos delas. Ali eu pude acessar parte dessa tristeza e isso me inspirou muito, me deu muita responsabilidade para fazer o meu trabalho.”

Foto de Júlia Yamaguchi em Sintonia
Júlia Yamaguchi em Sintonia Helena Yoshioka/Divulgação

“Na primeira temporada, a Scheyla participa do núcleo do Nando, né? E era uma participação, de fato, muito pequena. Na segunda temporada ela foi crescendo, na terceira um pouco mais e na quarta foi, de fato, onde eu tive maior tempo de tela e mais exposição. Pelo fato de ter sido tão aos pouquinhos, tão gradativo, eu acho que não me assustou tanto”.

Uma das cenas mais impactantes, não só dessa temporada, mas da série num geral, é quando Scheyla vai parar na solitária. Sozinha e sem luz do sol, a personagem fica presa em um cela de castigo durante 30 dias. Sobre esse momento, Júlia nos revelou que as falas tão marcantes foram pensadas posteriormente e que não estavam no roteiro à principio.

“Foi uma cena muito forte que exigiu bastante da atuação. Quando a gente estava lendo o roteiro, tinha escrito que nesses dias ela vai piorando, não vai aceitando comida e banho, mas não tinham falas específicas. Todas aquelas partes da minha personagem falando “a mamãe já volta”, “eu vou mandar matar vocês” ou “vocês sabem quem eu sou?”, tudo isso saiu no ensaio.”

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A atriz conta que, pelas redes sociais, tem recebido inúmeros relatos de mulheres que já foram presas na mesma situação que a personagem, dizendo que se vêem representadas de maneira fiel pela série.

“Eu recebo muitas mensagens pelo Instagram. As pessoas falam da realidade delas, sobre algum familiar que está preso ou mulheres que acabaram de sair do sistema e falam que se sentiram muito representadas. Eu acho que quando a gente representa a realidade de alguém, mais do que pensar no projeto e na repercussão, a gente também tem a preocupação com quem foi representado“.

Confira a entrevista completa:

Como o papel surgiu para você?

Eu comecei a estudar teatro na escola Wolf Maia e com seis meses de curso, eu conheci a produtora de elenco que se chama Alessandra Tosi. E pedi para ela algumas dicas sobre a atuação e sobre a escola onde eu estava. Eu queria entender o que eu poderia fazer. Coincidentemente, ela estava trabalhando para o casting de Sintonia, só que na época era ainda tudo sigiloso, então eu não sabia qual era o projeto e nem quem que era produtora. Eu fui fazer o teste de vídeo, que na época era ainda presencial, e eu acho que eram mais de 3.000 meninas para fazer o teste. E aí eu passei para a próxima etapa, no workshop presencial também, e lá já eram umas 30 meninas. Foi acontecendo a peneira e eu fiquei assustada, assustada porque eu estava passando. E nós, desse grupo de pessoas, ficamos amigos, né? Então a gente saía do workshop e ia tomar uma cerveja, fizemos um grupo de WhatsApp. E aí teve uma hora que pararam de me chamar e as meninas continuaram indo. Eu pensei “ah, não é para mim”. Depois de uns dois meses eles falaram que eu já estava escolhida para fazer a Scheyla, por isso que eles estavam continuando a seletiva: para ver quem seriam as outras personagens. Foi então que me falaram de fato qual era o papel e o projeto em si. Desde o começo Sintonia foi cheio de emoção.

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Desde o começo você já sabia que esse arco mais pesado chegaria para a Scheyla? Como foi ver a personagem ganhando cada vez mais espaço na série?

Na primeira temporada, a Scheyla participa do núcleo do Nando, né? E era uma participação, de fato, muito pequena. Só que apesar de ter pouco tempo de tela, eram cenas muito importantes que davam essa visão do outro lado daquele homem traficante. Era a visão da família, do afeto, de quando ele relaxava em casa. Tinham cenas da gente jogando videogame ou indo no postinho de saúde com a criança, e por mais que fossem cenas pequenas, eu entendia desde o começo porque a Scheyla era um peso importante no núcleo do Nando.

Na segunda temporada ela foi crescendo, na terceira um pouco mais e na quarta foi, de fato, onde eu tive maior tempo de tela e mais exposição. Pelo fato de ter sido tão aos pouquinhos, tão gradativo, eu acho que não me assustou tanto. Com certeza, de todas as temporadas, essa foi onde exigiu mais da minha atuação e da compreensão do roteiro todo, porque não era só o arco da Scheyla, a história dela conversava com a dos outros personagens.

Nessa nova temporada, a Scheyla vai presa, e esse é um dos pontos altos da série. Qual foi sua reação ao descobrir o destino da personagem na quarta temporada?

Minha reação foi “caramba, que responsa. E agora? Como que eu vou estudar e entender esse universo que eu não tinha praticamente nenhum conhecimento?” Então foi aí que eu comecei a estudar bastante, quando eu entendi que era uma responsabilidade muito grande retratar a realidade dessas pessoas, sendo que a gente tinha pouca referência de outras obras do audiovisual em relação ao presídio feminino no Brasil. 

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Recentemente a Bruna Macarenhas postou um vídeo com algumas cenas da relação da Scheyla com a Ritinha. No início tem um trecho da primeira temporada no qual a Scheyla fala para a Ritinha que o Nando não ia cuidar dela e do Doni para sempre. No final quem acabou cuidando de todo mundo foi a própria Ritinha. Como você vê a relação dessas duas personagens?

Parece que o jogo virou, não é mesmo? Tem uma competição entre as mulheres muito proveniente do machismo, né? E na primeira temporada, a gente pegou essa cena para deixar bem emblemática essa relação de disputa entre a esposa e a melhor amiga do Nando. Essa relação foi amadurecendo bastante ao longo da série. Na segunda temporada,  a Rita vai visitar o pai dela e quem leva é a Scheyla, depois a Scheyla fica grávida e convida a Rita para ser madrinha. Então essa relação foi amadurecendo, e na quarta temporada o mais bonito é que elas se tornam amigas, né? 

A Rita não está lá por conta da amizade dela com Nando. E para mim é mais forte ainda o fato da Rita continuar indo visitar a Scheyla no presídio, porque no universo do cárcere feminino no Brasil as mulheres praticamente não recebem visitas. Pelo menos foi o que eu entendi nos relatos, as filas dos presídios femininos são praticamente vazias. Então, pensando nesse contexto, a Scheyla é uma privilegiada porque ela recebe visita da Rita e da mãe dela com os filhos. 

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Você tem sido muito elogiado pelo papel. Como foi o seu processo de construção de personagem para essa temporada? Você entrou em contato com detentas?

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Geralmente o processo de preparação é bem intenso, né? A gente não chega lá e grava. O processo de preparação exige estudo. Começou com o que a produção oferece, que são os ensaios oficiais com cada personagem e a leitura do roteiro com todo mundo junto. Depois foi a parte que eu estudava quando não estava lá, então eu assisti vários documentários e li alguns livros que eu procurei sobre o cárcere que me ajudaram muito. Eu também consegui visitar duas penitenciárias, a Penitenciária Feminina de Santana e o Centro de Detenção Provisória de Franco da Rocha. Foi quando eu consegui falar com as mulheres que estão no sistema que eu entendi como seria a Scheyla nesse contexto. Isso porque ela é vista como “cunhada”, que é um termo utilizado para mulheres dos homens envolvidos no tráfico. Então essa mulher já entra com algumas funções ali dentro do presídio. Foi com essas mulheres que eu conversei sobre a maternidade, sobre com quem estão os filhos delas. Ali eu pude acessar parte dessa tristeza e isso me inspirou muito, me deu muita responsabilidade para fazer o meu trabalho. Quando a gente começou a filmar eu tive a ajuda de uma mulher que foi consultora, ela era egressa do sistema e estava comigo no set. Então ali eu tirava muitas dúvidas com ela. Tudo isso colaborou muito para o meu processo.

Você protagonizou alguns momentos bem difíceis, um bem marcante é quando a Schyeila vai para o castigo na solitária durante 30 dias. Como foi se preparar para isso?

Essa cena foi legal, porque em um dia a gente gravava várias cenas, mas nesse dia a gente deixou para fazer só a cena da solitária. Então precisou de muita concentração, não só minha mas como de toda a equipe. Estava todo mundo concentrado porque a gente fez a primeira, a segunda e a terceira etapa da solitária. Eu tinha que sair do set, fazer a maquiagem e voltar concentrada. Foi uma cena muito forte que exigiu bastante da atuação. Quando a gente estava lendo o roteiro, tinha escrito que nesses dias ela vai piorando, não vai aceitando comida e banho, mas não tinham falas específicas. Todas aquelas partes da minha personagem falando “a mamãe já volta”, “eu vou mandar matar vocês” ou “vocês sabem quem eu sou?”, tudo isso saiu no ensaio. Houve bastante liberdade, mas foi uma cena construída com muita concentração. Teve uma hora que eu pedi para ouvir um louvor. Teve uma hora que a gente teve a ideia dela jogar a comida no chão já que ela não queria mais comer. Foi uma cena que exigiu basatante de mim e de toda a equipe que estava lá junto.

Como foi a preparação de maquiagem e cabelo?

As cenas não são gravadas de forma linear, né? Então eu posso gravar a saída do presídio antes da entrada no presídio. A gente gravou primeiro a cena do café que era a continuação da terceira temporada, então ali eu tinha que estar com as mesmas luzes no cabelo, mesma unha e mesma maquiagem da outra temporada. Depois disso, eles faziam toda aquela caracterização dos dias no presídio. Eles iam pintando como se as mechas do cabelo da Scheyla fossem abaixando. E aí tinha toda a questão da pele, né? Antes da solitária era de um jeito e depois já tinha herpes na boca dela. Eles sempre fizeram melasmas assim na pele, olheira também. E aí eu brincava que todo mundo saía da maquiagem da sala de maquiagem lindo e só eu que saía daquele jeito. 

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Houve pessoas que entram em contato com você para falar da Scheyla? Como foi receber essas mensagens?

Eu recebo muitas mensagens pelo Instagram. As pessoas falam da realidade delas, sobre algum familiar que está preso ou mulheres que acabaram de sair do sistema e falam que se sentiram muito representadas. Eu acho que quando a gente representa a realidade de alguém, mais do que pensar no projeto e na repercussão, a gente também tem a preocupação com quem foi representado. Eu fiquei muito satisfeita pelo que a gente entregou, fiquei muito feliz ao ver os relatos das mulheres que vieram falar comigo e  muito agradecida por essa troca e por esse aprendizado.

Você teve alguma referência de atuação de alguma outra atriz que interpretou um papel parecido? 

Não nesse mesmo tema, mas eu lembro muito bem que eu tinha acabado de assistir uma série chamada “Onde Está Meu Coração”, que a Letícia Colin faz uma médica que se torna usuária de crack. Ela tem toda essa transição de uma menina médica de classe média alta para uma usuária que vai parar na Cracolândia. E aí eu vi a abertura dela em relação a emprestar seu corpo e deixar de lado a vaidade para fazer a personagem. Foi, de alguma forma, uma inspiração, porque a Scheyla também passa por essa transição. A gente termina a terceira temporada com ela toda empresária abrindo um café e linda, montada com as unhas, com o cabelo, com tudo. Já na quarta temporada, ela aparece completamente abalada, destruída, em choque. 

Essa é a primeira temporada que a Scheyla passa longe do ND, eles só encontram no final da temporada. Como foi a troca com o Christian Malheiros?

De fato, nas outras temporadas quase 90% das minhas cenas eram com o Nando e nessa temporada a gente só teve duas cenas juntos. Uma delas era um flashback e a outra dela foi no final da temporada, que é a visita da Scheyla ao presídio. Eu e o Chris somos realmente muito amigos e a gente ficou amigo desde os testes da seletiva. Todo mundo da equipe sabia que a gente é muito amigo, então a gente foi instruído desde a preparação a conversar pouco para entender esse distanciamento dos personagens. Inclusive a gente não teve nenhum ensaio junto. A gente não se encontrou durante o processo e nós não tínhamos o mesmo ambiente de gravação, então a gente quase não se encontrava.

No dia que fomos fazer essa última cena que era muito emocionante, as pessoas até separaram os nossos camarins. A gente se cruzou pelo refeitório e a gente entendeu que a gente não devia se falar e aí na hora de gravar veio toda aquela emoção do roteiro. A gente tinha um roteiro e a gente acrescentou algumas coisas pela emoção que veio na hora. E foram poucos takes, geralmente a gente repete, mas foi muito fluido. 

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Caso haja uma próxima temporada: o que você gostaria de ver no próximo arco da sua personagem?

Se existir uma próxima temporada, eu quero muito que a Scheyla não sofra mais tanto e que ela sorria. Que a gente possa ver essa mulher se reerguendo depois de tantas coisas que ela passou. Não só sendo feliz, mas se reerguendo. Uma mulher que é egressa do sistema deve ter uma reinserção na sociedade, mas fica com uma marca para o resto da vida. Então que ela possa olhar para o passado dela e também ajudar outras pessoas que passaram por isso. Acho que é isso. É nesse senso mais de autoestima, reconstruir a vida e reconstituir a família. 

A quarta temporada de Sintonia já está disponível na Netflix.

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