
Kendrick Lamar no Super Bowl: o impacto de um show revolucionário
Rapper fez história com um show carregado de simbolismo, crítica social e a força da cultura negra, reafirmando o impacto do rap
o último domingo (9/2), Kendrick Lamar fez história ao comandar o show do intervalo do Super Bowl 2025. A performance, além de ser um dos momentos mais comentados do evento, ajudou a partida entre Kansas City Chiefs e Philadelphia Eagles a atingir recordes de audiência, com uma média de 126 milhões de espectadores e um pico impressionante de 135,7 milhões.
Mas mais do que números grandiosos, o espetáculo de Lamar foi um marco cultural, um manifesto artístico e uma resposta poderosa à indústria do entretenimento e à própria NFL.
O Primeiro Rapper Solo a Protagonizar o Super Bowl
Desde que Jay-Z assumiu o papel de curador das performances do Super Bowl, em 2019, artistas negros ganharam mais espaço de destaque no evento. No entanto, Kendrick Lamar foi o primeiro rapper a se apresentar sozinho no palco mais assistido da televisão norte-americana.
Lamar, que já havia participado do show do intervalo de 2022 ao lado de Dr. Dre, Snoop Dogg, Eminem, Mary J. Blige e 50 Cent, agora teve o palco só para si. E, como esperado, ele não desperdiçou a oportunidade. O artista entregou um espetáculo conceitual e provocador, que abordou temas como identidade, poder e resistência, utilizando sua música como ferramenta de narrativa.
O Impacto na Cultura e na Indústria Musical
O impacto do show de intervalo de Lamar foi imediato e se refletiu diretamente no consumo de sua música. No Spotify, ele quebrou o recorde de rapper com o maior número de ouvintes mensais da história, atingindo a marca de 91 milhões de reproduções e superando Drake, que detinha o recorde anterior com 75,4 milhões. De acordo com a Rolling Stone, suas músicas tiveram um aumento de 175% nas reproduções nos Estados Unidos após o Super Bowl.
Além disso, cinco de suas faixas – Not Like Us, Luther, TV Off, All the Stars e Squabble Up – estiveram entre as mais ouvidas do país nos dias seguintes à performance. Esse crescimento comprova a força do hip-hop na indústria musical e como o Super Bowl se tornou uma vitrine inestimável para artistas.
Um Show Minimalista e Repleto de Símbolos
Enquanto os últimos anos do Super Bowl foram marcados por apresentações altamente visuais, com efeitos pirotécnicos e produções cinematográficas, Kendrick Lamar optou por um show minimalista, mas repleto de mensagens e simbolismos. Desde o figurino dos dançarinos, que representava a união entre gangues da Costa Oeste americana, até a participação de Samuel L. Jackson como o Tio Sam, cada detalhe foi pensado para contar uma história.
A escolha de Jackson como Tio Sam foi um dos momentos mais impactantes da apresentação. O personagem, historicamente usado para representar o governo dos Estados Unidos e a propaganda nacionalista, foi reinterpretado por um ator negro em um dos maiores eventos do país. Isso foi um lembrete contundente do papel da cultura negra na construção da identidade americana e uma crítica à forma como o Estado historicamente marginalizou essa mesma cultura.
Kendrick trouxe à tona a ironia de um país que exalta sua diversidade, mas que frequentemente falha em dar voz às comunidades negras. Essa escolha se torna ainda mais relevante no atual contexto político dos Estados Unidos, marcado por retrocessos sociais e pelo fortalecimento de discursos conservadores, especialmente com Donald Trump e sua retórica nacionalista.
Em tempos em que pautas de igualdade racial são frequentemente atacadas, ver um artista negro subverter um símbolo historicamente ligado ao poder branco e imperialista foi um golpe direto na narrativa dominante. O rap, que nasceu da resistência e das periferias, mostrou que agora ocupa o centro do espetáculo, desafiando a estrutura tradicional do entretenimento americano.
As Participações Especiais e o Momento de Glória
Além de Samuel L. Jackson, que guiava a narrativa do show como um mestre de cerimônias, Lamar trouxe ao palco a cantora SZA e a tenista Serena Williams. SZA, colaboradora de longa data do rapper, performou as músicas Luther e All The Stars, enquanto Serena Williams fez uma aparição icônica executando a dança “crip-walk”. A escolha da atleta não foi à toa: Serena teve um breve relacionamento com Drake, e sua presença foi mais um recado ao rapper canadense.
Mas o momento mais aguardado do show foi, sem dúvida, a apresentação de Not Like Us, a diss track que Kendrick lançou contra Drake em 2024 e que se tornou um hino do hip-hop contemporâneo. Durante toda a performance, Lamar provocou o público com trechos da música, gerando expectativa até finalmente entregá-la na íntegra. O estádio entrou em êxtase, e as redes sociais explodiram com reações à apresentação.
As Discussões Após o Show
A apresentação de Kendrick Lamar gerou debates tanto na imprensa americana quanto no Brasil. O rapper Marcelo D2, por exemplo, destacou em suas redes sociais que o show foi muito mais do que um ataque a Drake:
“A apresentação do Kendrick Lamar no Super Bowl foi muito mais do que atacar o Drake. Kendrick usou o espaço pra contar a história, pra questionar o ‘jogo’ americano e o que se passa nesse momento no mundo… só o Samuel Jackson de tio Sam já foi implacável (isso na frente do Trump). Pra alguns faltou fogos, faltou explosões mas pra quem conhece e ama a cultura hip hop estava tudo ali”, escreveu Marcelo D2.
A crítica dividiu opiniões. Enquanto alguns esperavam um setlist recheado de hits da carreira de Lamar, outros entenderam sua escolha de priorizar a narrativa e o conceito do show. A frase final da apresentação, “A revolução está prestes a ser televisionada, você escolheu a hora certa, mas o cara errado“, ressoou como um aviso e um lembrete do papel do rap como voz da resistência.