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Identidade

FLORESCER DE URIAS

Passamos um dia ao lado de Urias, artista que inspira toda uma geração e que abriu sua mente para nós - desobediente simplesmente por ser quem se é.

por Andréa Martinelli, Duda Cardim, joao.barreto Atualizado em 11 jan 2024, 17h49 - Publicado em 21 dez 2023 13h02

“Eu não deixava de sonhar [com uma carreira]. E aí depois que eu comecei a ver que era possível, aí eu falei, “ai vou tentar”. E aqui estamos”. Quando era uma jovem adolescente, nascida e criada em Uberlândia, em Minas Gerais, Urias não imaginou que, aos 28 anos, teria dois álbuns de estúdio, uma turnê pela Europa e algumas capas de revista pelo Brasil.

Ela é quem estrela a capa da quinta edição digital de CAPRICHO, a última de 2023. “A partir do momento que eu comecei a trabalhar com isso, ainda hoje meio que cai a ficha, sabe? É tipo, toda hora que eu penso, “nossa… sou eu”. Às vezes, quando eu vejo um vídeo meu no palco, eu olho e falo, “meu Deus, sou eu. Sim, isso está acontecendo e é comigo, né?”. 

Sim, está. Urias é uma das artistas que explora música eletrônica como ninguém em suas composições, com diferentes sonoridades e se consolida como um dos principais nomes da música nacional. Os álbuns Furia, Her Mind, e Her Mind Blosson Edition, completam uma trilogia que define o estilo e a personalidade da artista de uma forma única. 

“O FURIA foi o momento em que me entendi como artista, mesmo. E o Her Mind foi quase que uma fuga do primeiro, o Blosson Edition é mais um agradecimento, o florescer dessa fase. O que está por vir provavelmente vai ser algo completamente diferente, uma fuga de tudo isso“, conta, aos risos à CAPRICHO.

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Caia Ramalho/Getty Images

Em conversa descontraída com a equipe da CH durante ensaio de fotos, a artista compartilhou que gostaria de ter sido designer de moda e chegou até a cursar relações internacionais durante um tempo, sabia? “Não era apresentada pra gente a possibilidade de ganhar dinheiro fazendo o que eu gostava”, disse. E seu grupo de amigos sempre foi sua maior fonte de inspiração. E hoje ela inspira toda uma geração.

“O que eu sou é o que é mais odiado neste país. E mesmo assim isso não impediu de sabe das coisas acontecerem comigo e eu poder fazer as coisas. Obviamente é outro caminho, é um caminho mais longo, é um caminho que tem outros obstáculos e outros recortes. Eu acho que eu sou desobediente nesses lugares de ser quem eu sou, sabe?”.

Urias também falou sobre o processo criativo de seus últimos álbuns, sua relação com a moda e muito mais. Leia uma prévia da entrevista abaixo – o texto e a edição completa está disponível no Go Read, aplicativo de revistas digitais da Editora Abril.

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Caia Ramalho/CAPRICHO

EQUIPE CAPRICHO: Como é que a sua relação com a música e arte começou?

Urias: Desde criança eu sempre tive muito contato com esse universo. Existia um centro de acolhimento na comunidade onde eu morava, funcionava como uma creche, mas era um centro cultural também em que você aprendia muitas atividades. Crochê, macramê, essas coisas, sabe? Lá tinha teatro, tinha dança. E aí desde pequena eu sempre me interessei muito pela dança, desde os seis anos. E aí, desde então, nunca parei. E até depois de mais velha… quando eu percebi que talvez não daria para seguir carreira artística – porque não era nenhuma opção na minha cabeça isso, sabe?. Durante a minha criação não me foi mostrado que era possível pagar as contas fazendo esse tipo de atividade.

É um pensamento muito comum, né?

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Sim. E, então, na minha cabeça eu teria que fazer ensino superior, algo mais acadêmico mesmo, menos artístico. Mas continuar fazendo as coisas que eu gostava por hobby. Eu sempre me colocava em grupos de dança, arrumava bicos, fui modelo… 

E qual faculdade você chegou a fazer?

Eu fiz Relações Internacionais e também fiz Tradução. Mas não terminei nenhuma das duas. Eu vi que não gostava mesmo daquele negócio. E quando eu estava trabalhando como modelo e também quando eu comecei a trabalhar com a Pabllo, eu comecei a entender que era possível, sim. Que não era um sonho tão distante. Quando eu era criança, eu tinha esse sonho, mas era num lugar de um sonho impossível mesmo. Eu não deixava de sonhar, mas era um lugar de um sonho muito difícil de acontecer comigo. E aí depois que eu comecei a ver que era possível, aí eu falei, “ai vou tentar”. E aqui estamos.

Você frequentava festas de música eletrônica? Como começou esse seu interesse? 

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Ai, eu frequentava algumas festas, mas era mais coisa da da minha cidade, não é nada tipo as coisas daqui grandes, assim. Era sempre aquilo, alugar uma chácara e ir com amigos para lá, sabe? Eu não sei… eu acho que sou de uma geração que não teve acesso tão rápido às coisas, tínhamos CD’s, VHS, DVD, Blue Ray [quem lembra do blu-ray, gente? risos]. Mas eu era muito curiosa e ficava baixando coisas na internet. Eu escutava de tudo, desde Lady Gaga, Beyoncé até Marina and The Diamonds…

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Caia Ramalho/CAPRICHO

Dá pra sentir muitas dessas referências no seu trabalho. Os álbuns Furia, Her Mind e Blossom Edition se complementam…

Sim. Eu acho que o Furia foi um começo e o Her Mind veio para, de certa forma, me libertar de algumas coisas que estavam acontecendo comigo. Eu até brinco que foi um processo de repetição para mim, de me libertar de um certo lugar que as pessoas estavam me colocando. 

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E qual lugar era esse?

Eu quero ser vista para além do meu corpo, para além de ser uma mulher trans. Eu queria chamar atenção para uma parte que tem mais conexão com o meu intelecto, com a minha humanidade, que muitas vezes as pessoas não destacam, não falam sobre esse assunto.

Queria chamar atenção para essas partes de mim que não são destacadas e que acabam nos desconectando do que é humano – e, sim, nos desumaniza. É sobre honrar também esse lugar e me colocar como parte da natureza, no sentido biológico, mesmo, para além do social. Porque tudo está atrelado ao meu corpo, que é político. Eu queria ir além disso. Não só ser tratada com respeito, não só naturalizar a minha existência perante a sociedade, mas também perante a natureza, a biologia.

Um lugar na natureza

O tema de “HER MIND” foi baseado em um estudo da Universidade de Liége na Bélgica. O estudo afirma, com bases científicas, que o cérebro de pessoas trans é similar ao de pessoas cis –  às quais se identificam com o gênero designado no nascimento.

Pesquisadores mediram as microestruturas cerebrais através de uma técnica chamada “imageamento tensor de difusão”. O resultado observou que meninos que se dizem transgêneros tem a mesma atividade cerebral dos meninos cisgêneros. O mesmo acontece com os membros do sexo feminino.

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Caia Ramalho/Getty Images
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