Nas últimas semanas, vídeos sobre a brazilcore, brazilian aesthetic ou estética brasileira inundaram as redes sociais, especialmente no TikTok, com uma série de produções e roupas nas cores verde e amarela, que remetem à bandeira do Brasil. Essa movimentação começou depois que várias fashionistas europeias se apropriaram e reproduziram o estilo tradicionalmente usado na periferia e, majoritariamente, discriminado por uma sociedade racista e elitista que, inclusive, sempre marginalizou essa galera.
Ver essa foto no Instagram
A moda da periferia como precursora de tendências
Apesar de ser precursora de muitas febres que consumimos hoje, como aquelas que fazem referências aos anos 2000, mais conhecidas como Y2K, o surgimento de novas tendências nunca é direcionado para as periferias. Quando isso acontece, é sempre em uma posição subalterna, vista como inferior e feia, pelo menos quando se tratam de corpos racializados e periféricos vestindo. Mas, do contrário, é lindo e maravilhoso, como as tranças em pessoas brancas.
Esse comportamento também se reflete em quem produz conteúdos e escreve sobre moda através de uma perspectiva elitizada e excludente. Em março desde ano, por exemplo, para onde estavam voltados os olhos de quem consome notícias de moda quando a marca Piña, do estilista carioca Abacaxi, fez um desfile nas ruas de Madureira, com peças cheias de recortes cut-out, amarrações, transparência e combinações de cores como verde e amarelo e azul e branco e, claro, a bandeira do Brasil?
Ver essa foto no InstagramContinua após a publicidade
Para a historiadora e comunicadora Giovanna Heliodoro, “brazilcore” é o nome dado para uma estética que, mais uma vez, surge nas favelas. “[Essa tendência] só passa a ser reconhecida quando as pessoas brancas e ou da ‘elite da moda’ passam a utilizá-la. Não é de hoje que, entre becos e vielas, vejo muitos jovens usando camisetas do Brasil ou de outros times esportivos do mundo afora. Infelizmente, quando os nossos usam é feio, brega e démodé, mas precisamos reconhecer que, dentro da favela, surgem muitas tendências que nem sequer são reconhecidas como moda”, opina Giovanna em comentário em publicação no Instagram.
“Historicamente dizendo, isso não é nada recente, mas por [2022] ser um ano de Copa do Mundo e de eleições, o assunto se tornou mais potente lá no Twitter. Só que é importante lembrar que a bandeira do Brasil não é partidária; é um bem coletivo que foi tomado pela direita e nós precisamos nos reaproveitar disso”, finaliza. Como afirma o idealizador da Piña, quem foi que disse que a bandeira do Brasil não é nossa?
Despolitizando e ressignificando as cores do Brasil
Em um cenário político nacional em que, nos últimos quatro anos, a bandeira e camiseta do Brasil foram tomados pela direita, despolitizar e ressignificar as cores da bandeira brasileira é, sim, um ato urgente e revolucionário.
Para o rapper Djonga, que já usou a camiseta da seleção brasileira em seus shows em posição contrária ao atual governo, despolitizar o que foi politizado também é revolucionário. Durante uma apresentação no Mineirão, em abril deste ano, o cantor disse que “eles se apropriam do tema, do nosso hino, de tudo”, mas reforça que “tudo é nosso e nada deles”.
Ver essa foto no InstagramContinua após a publicidade
A cantora Anitta também deu um novo sentido para as cores da bandeira em sua apresentação no Rock in Rio Lisboa, mas, neste caso, ela quis representar a cultura do funk e da periferia brasileira nos palcos europeus.
Falando em Copa do Mundo…
Com a Copa do Mundo se aproximando, os mercados da moda e da beleza já estão se aquecendo com uma série de lançamentos e produtos relacionados ao Brasil. Um exemplo disso é a nova camiseta da Seleção Brasileira, lançada pela Nike. Intitulada como “Veste A Garra”, a ideia da coleção era homenagear os brasileiros e combinar as padronagens da onça-pintada em uma camiseta, que até poderia ser personalizada com nomes de torcedores.
Novas camisas 1 e 2 da seleção brasileira, braba demais!!! 🔥🔥🔥#SelecaoBrasileira #Nike pic.twitter.com/t8Ew8ZliOn
— MsD Imports (@ImportsMsd) August 7, 2022
No dia de seu lançamento, algumas pessoas não conseguiram personalizar a nova camiseta com nomes ligados a religiões de matriz africana, como Ogum e Exú, já que apareciam seguidos de uma mensagem “Personalização indisponível”, em todos os tamanhos e modelos de roupa. Porém, nomes como Cristo e Jesus estavam autorizados.
Após as acusações de intolerância religiosa, não somente relacionados às religiões de matriz africana, mas a todos aqueles que não pertencem ao catolicismo e não passam pelo sincretismo religioso, a marca emitiu uma nota. “A falha no sistema que permitiu a customização de algumas palavras de cunho religioso está sendo corrigida”. Ao que se parece, hoje, não é possível personalizar as peças com nenhum nome muito conhecido de cunho religioso ou político.
Após repercussão com nomes ligados às religiões de matriz africana, Nike proíbe termos como "Cristo" e "Jesus" nas novas camisas da Seleção.
Além de nomes de cunho político, "Exu" e "Ogum" haviam sido barrados anteriormente, mas nomes católicos estavam liberados.
📸 Reprodução pic.twitter.com/Q20FVGTnop
— Goleada Info (@goleada_info) August 15, 2022
No país do futebol, usar camiseta de time é, sim, uma tendência popularizada pela periferia e um ato revolucionário. E aí, o que você acha de toda essa movimentação?