Dario Mittmann cria o próprio universo tecnológico e artesanal na SPFW

Coleção apresentada em desfile abusa de texturas para brincar com o que é humano e o que é artificial

Por Mavi Faria Atualizado em 9 abr 2025, 14h05 - Publicado em 9 abr 2025, 14h02
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 discussão sobre os limites entre a Inteligência Artificial e o trabalho humano parece cada vez mais distante de um consenso e, só na última semana, a polêmica das artes criadas por Inteligência Artificial inspiradas no estilo do Studio Ghibli lembrou o perigo de se apoiar cegamente nessas ferramentas. Contudo, se há um espaço onde esses dois universos combatentes parecem se fundir com coesividade, é na nova coleção de Dario Mittmann, desfilada na SPFW N59 na noite desta terça-feira (8).

Intitulada ‘Golem: uma odisséia transhumanista’, a coleção mergulha em referências futurísticas misturadas a elementos artesanais ao brincar com o futuro da humanidade robótica e tecnológica, mas ainda agarrada ao humano.

Golem é uma figura mitológica criada para auxiliar os humanos em suas tarefas, mas ela se torna muito perigosa por não ter discernimento do bem e do mal, o que é uma analogia à Inteligência Artificial”, explica Dario Mittmann em entrevista a CAPRICHO.

Em um “mix do presente, do passado e do futuro”, Mittmann carrega a simbologia do passado no artesanato, com destaque para o bordado e para o crochê, técnicas características e marcantes em suas peças. Em contrapartida, o olhar para o futuro pode ser exemplificado em uma bolsa inspirada no osso do quadril humano, impressa em 3D.

Imagem de dois modelos que desfilaram para Dário Mittmann.
A modelo da foto segura a bolsa impressa em 3D no formato do osso do quadril humano. Além do látex e da penugem, outro ponto que chamou atenção foi a calça bem baixa do modelo e em formato flare. Gabriel Cappelletti/ @agfotosite/Divulgação
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Na passarela, as texturas são o que mais chamam a atenção, indo do látex, que imitando pele humana, a babados bordados, jeans brilhantes, rendas, penugens, até o crochê. Em especial as peças mais justas ao corpo, com tons de bege, coral e laranja, a sensação é de pele crua, como o nascimento de uma nova figura e forma humana. 

A cantora Pocah desfilou para Dário Mittmann usando um conjunto de cropped e saia de látex, imitando pele humana.
A cantora Pocah desfilou com um conjunto com luvas de látex que imita pele humana. Destaque para as sobrancelhas de penugem coloridas. Marcelo Soubhia/ @agfotosite/Divulgação

Essa percepção e a própria fusão entre o humano e o tecnológico encontraram seu ápice no final do desfile, quando a atriz Deborah Secco entra na passarela vestida com uma armadura metálica que cobre todo o corpo – no estilo do traje robótico de Thierry Mugler, de 1995, usado por Zendaya na première de Duna: Parte Dois, no ano passado.

A condensação da simbologia dessa nova figura criada entre IA e seres humanos se resume no traje da atriz, principalmente na máscara da armadura, que mostra somente o rosto por baixo do metal. Com a abertura, as metades da máscara ficam pendentes ao lado do rosto de Secco, em uma analogia às transformações e desconfigurações propostas no filme A Substância, mostrando como a parte robô se mesclou ao ponto de andar lado a lado da humana.

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Deborah Secco na passarela da SPFW com uma armadura robótica do estilista Dário Mittmann.
Armadura robótica deixa o rosto da atriz entre metades de rostos metálicos, em uma fusão entre esses mundos. Ze Takahashi/ @agfotosite/Divulgação

Já na maquiagem, assinada por William Cruz, a principal inspiração foi o anime, uma paixão pessoal do maquiador. “Eu trago um pouco dessa monstruosidade na textura da sobrancelha, que é mais fluffy, é uma penugem, uma textura que você encontra nas roupas do Dario”, afirma o profissional.

O efeito na sobrancelhas dos modelos chama muita a atenção, e Cruz revela à CH que, para garantir essa penugem, ele utilizou pó de nylon. Nos cabelos dos modelos, ele explica que a ideia foi deixá-los estruturados, seja em formato de capacete, seja espetado.

Modelo desfile na passarela de Dário Mittmann com um vestido curto de manga longa em conjunto com botas altas. A estampa das peças possui desenhos que remetem ao cybersigilism.
Tanto o vestido quanto as botas altas da modelo possuem uma estampa com desenhos que remetem ao cybersigilism, estética que une traços medievais e modernos. Ze Takahashi/ @agfotosite/Divulgação
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‘Golem’ é a segunda coleção do estilista a ser desfilada na São Paulo Fashion Week e conta uma história mais coesa e identificável do que sua estreia no evento, que reuniu em peças diversas a abrangência e a criatividade maximalista da marca. O afunilamento temático possibilitou que formatos e relevos característicos de Mittmann, como as peças almofadas e em tamanho maximalistas, no crochê e com referências fortes à cultura pop e oriental, se adaptassem à nova história contada na passarela de forma mais certeira. 

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Das referências culturais, mitológicas e tecnológicas escolhidas, bem como as peças justas e as calças de cintura muito baixa, a coleção se destaca como uma tradução cultural da Geração Z, que vive essa intersecção entre o digital e o humano de forma muito intensa. Os desenhos de algumas peças, inclusive, lembram o estilo ‘cybersigillism’, que conquistou a nossa galera com tatuagens que unem estética medieval com a atual, em rabiscos pontiagudos e traço mais grosso.

A rapper Ebony na passarela de Dário Mittmann, vestindo um casaco jeans com pelos, saia curta e blusa aberta de látex.
A rapper Ebony também foi uma das estrelas a desfilar para Dário Mittmann, unindo alguns dos materiais principais da coleção: penugem, jeans e látex. Marcelo Soubhia/ @agfotosite/Divulgação
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