Para alguns, a cultura hip hop está entre as “tendências da vez” quando o assunto é moda e beleza. Mas este movimento – que nasceu nas ruas e é feito pelas pessoas – , não é algo só passageiro, mas sim, a expressão de uma cultura e um estilo de vida urbana e periférica. Quando ele chega às passarelas, é capaz de exaltar potência e celebrar a ancestralidade.
A CAPRICHO conversou com Gabi Rocha, stylist e figurinista e com a rapper MC Soffia, que desde os 6 anos é referência para milhares de meninas negras, para entender como ambas vivenciam a cena e como ela está relacionada à moda.
“Moda é comportamento, política, cultura e a comunidade preta, desde o surgimento do movimento, vem potencializando e criando linguagens artísticas. Sempre com influências de nossa ancestralidade”, afirma Gabi. “A sonoridade, a estética, a expressão corporal, todos esses elementos bebem da fonte [da cultura] preta, e com a moda não é diferente. Impossível separar todas essas linguagens.”
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Para MC Soffia, moda e hip hop estão interligados porque “o movimento traz muita referência de negros americanos [estadunidenses]”. Ela conta que peças como o jaco, calça larga, colar e tênis são grandes características dele, e, assim como no Brasil, referências do funk também se fazem presentes.
“No rap, por exemplo, usa-se muito [marcas como] Lacoste, Mizuno e Ciclone. Acho que a moda está muito interligada com a música, porque cada artista mostra o que é para o público através do seu look.”
Tudo começou em 1970…
Agora nós vamos voltar no tempo. Mais precisamente em meados dos anos 1970 nos subúrbios negros e latinos de Nova York. Sim, foi lá que tudo começou. Séries e documentários como The Get Down (Netflix) e Hip-hop evolution (Netflix)- lembra deles? – mostram em detalhes o surgimento, a evolução do gênero musical e como a estética e o estilo do movimento abraçam a comunidade negra.
“O hip hop, para além de um estilo musical, é, sim, uma cultura de resistência e traz consigo quatro elementos que contribuem até hoje para construção da autoestima da comunidade preta”, conta Gabi.
Entre esses elementos citados por ela estão o grafite (que é a expressão pela arte, com cores e texturas), o DJ (sigla para Disk Jockey, o responsável por criar as batidas das músicas das festas), o MC (sigla para Mestre de Cerimônias, que é considerado como aquele que leva o pensamento adiante) e, claro, os b-boys e as b-girls (que são representam a linguagem da dança – em especial, o breaking).
Mas engana-se quem pensa que a moda do hip hop está só nos palcos. Para Gabi Rocha, ela vai além. “A moda do hip hop está nas ruas, nos bailes e coletivos que se expressam artisticamente através do movimento. A cultura [negra] é muito rica, impossível se restringir a um lugar só”, explica.
“Falando de moda, especificamente, não é à toa que a indústria do luxo resolveu investir (e se apropriar) nesse nicho. É autêntico, é criativo, e eles viram um modo de capitalizar nossa cultura para fazer dinheiro. Mais um jeito de se apropriar e não exaltar nem devolver para comunidade, que realmente vive a cultura, os créditos.”.
Já Soffia, que gosta de uma moda futurista e de se inspirar em artistas internacionais – desde o continente africano à América do Norte -, conta que suas referências, de alguma maneira, também se refletem no figurino de seu balé.
“A mensagem que quero passar para o público faz parte da coreografia dos shows e do figurino escolhido somado às expressões corporais de cada bailarina”, detalha. Dá só uma olhada na paleta de cores, shape e recorte das peças:
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Mas nem só de referências vive o movimento…
Em um contexto em que as pessoas ainda associam o hip hop exclusivamente ao gênero masculino, perguntamos para MC Soffia e Gabi Rocha como ambas enxergam a participação e a aceitação das mulheres negras na cena do movimento e no set.
Para Gabi, estamos conquistando aos poucos esses espaços, tudo “graças a grandes mulheres que abriram os caminhos e firmaram o terreno para que a gente pudesse chegar.” Ainda assim, a cena é muito machista. “Quando fazemos o recorte de raça é ainda pior, um show de horror. Rola muita apropriação de quem nunca fez nada pela cultura [negra]. Precisamos falar sobre e estarmos atentos.”
As mulheres pretas na cena do hip hop deveriam ser mais valorizadas, aponta MC Soffia. “Penso que os caras têm que valorizar as mulheres, e as minas se valorizarem também. [Nós mulheres] precisamos cada vez mais poder nos expressarmos da forma que quisermos na música. Ser livre mesmo. A música é um modo de expressão. Então, eu enxergo que [a música e as mulheres] precisam ser mais valorizadas, principalmente no Brasil.”.