Katy Perry no espaço parece legal, mas está mais para uma pegadinha
O que parecia um marco, a primeira missão espacial com tripulação 100% feminina, de pertinho se assemelha mais a um comercial para a Blue Origin.

a última sexta-feira (08), Lauren Sánchez, jornalista, apresentadora e vice-presidente do Bezos Earth Fund, mais conhecida globalmente como a namorada de Jeff Bezos, fundador da Amazon, compartilhou em seu Instagram a primeira chamada de Zoom com a tripulação feminina que participará da missão NS-31, da empresa espacial do bilionário.
A equipe será composta pela própria Lauren Sánchez, a cantora Katy Perry, a jornalista Gayle King, a bioastronauta Amanda Nguyen, a produtora de cinema Kerianne Flynn e Aisha Bowe, engenheira aeroespacial e ex-cientista da NASA.
A viagem, que deve acontecer entre 20 de março e 20 de junho, está sendo promovida como a “primeira tripulação composta apenas por mulheres desde Valentina Tereshkova em 1963”.
Durante a edição da conversa divulgada por Lauren, a apresentadora Gayle King perguntou, meio rindo de nervosa: “Eu sou a única garotinha assustada que está com medo?”.
Sempre há riscos. E até mesmo na Blue Origin já houve um acidente. Em 30 de junho de 2023, o motor BE-4 de um dos foguetes da empresa explodiu ainda no solo durante um teste. O incidente, sem tripulantes, não teve vítimas.
Mas o itinerário da NS-31 não deve ter muitos contratempos: a espaçonave levará os tripulantes até a Linha de Kármán, a 100 km da superfície da Terra, considerada a fronteira do espaço.
Lá, eles experimentarão alguns minutos de gravidade zero antes de iniciar a descida. No total, a viagem, do lançamento ao pouso, vai durar cerca de 10 a 11 minutos, e a cápsula retornará ao solo utilizando paraquedas.
E não é como se fosse a primeira vez: o New Shepard, foguete que será usado na missão, já foi lançado 30 vezes, sendo 10 dessas missões tripuladas, levando um total de 52 pessoas ao espaço nesse tipo de experiência. A NS-16 levou o próprio Jeff Bezos, a NS-18 levou William Shatner, famoso por seu papel como Capitão Kirk em Star Trek, e a NS-19 também levou Michael Strahan, ex-jogador da NFL.
Por esse motivo, a missão NS-31, apesar de estar levando mulheres notáveis em suas áreas de atuação, parece mais eficiente em popularizar passeios ao espaço para quem tem os contatos ou dinheiro para tal do que em destacar a contribuição feminina no campo da ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM) aplicadas ao espaço.
Uma matéria do El País apontou que a comparação dessa missão com a pioneira de Valentina Tereshkova é vista por alguns como uma banalização total das conquistas das mulheres na exploração espacial.
Quem foi Valentina Tereshkova?

Valentina Tereshkova nasceu em 1937, na União Soviética. Em 16 de junho de 1963, aos 26 anos, partiu sozinha a bordo da espaçonave Vostok 6, tornando-se a primeira mulher no espaço e a única até hoje a realizar um voo espacial completamente solo.
O objetivo da missão era estudar os efeitos do voo espacial no corpo feminino e testar a capacidade de uma tripulante mulher operar no ambiente de microgravidade. Ela orbitou a Terra 48 vezes e passou quase 71 horas no espaço sozinha.
Durante a missão, enfrentou dores, enjoo, frio e o desconforto extremo da cápsula minúscula. Além disso, precisou corrigir manualmente um erro de programação que poderia ter feito sua nave se perder no espaço.
Ao retornar, não pousou confortavelmente numa cápsula guiada por paraquedas. Ela foi ejetada da nave a 7 km de altitude e precisou aterrissar sozinha, de paraquedas, em território soviético.
Mas qual é o impacto real de missões como a NS-31?
O fato da Katy Perry e pessoas de outras áreas estarem nesta viagem é notável o suficiente para essa viagem se tornar uma pauta para CAPRICHO, mas ideal mesmo é que essas iniciativas realmente valorizem mulheres que realmente contribuem para a ciência e tecnologia espacial, especialmente neste momento, até para gente saber que elas existem.
Só no Brasil, desde a pandemia, o ingresso de meninas e mulheres na ciência caiu 50%, segundo levantamento da Nexus – Pesquisa e Inteligência de Dados, com base em informações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Além disso, o ingresso de homens em cursos de STEM é o dobro do de mulheres na última década. Em 2023, 74% dos ingressantes nesses cursos eram homens, enquanto as mulheres representavam apenas 26%, uma queda proporcional desde 2013.
O espaço sempre foi um símbolo de progresso e futuro. Mas, se ele continuar sendo construído sem a contribuição das mulheres de forma ativa e significativa, corremos o risco de reforçar a ideia de que o nosso lugar nesse futuro é igual o da Katy Perry, uma mera tripulante convidada.