or meio da proposta de redação, o Enem instigou alunos a pensarem sobre a invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher. Já a Fuvest, no último domingo (20), também apresentou dois textos sobre o tema na primeira fase. Mas apesar desta discussão ter sido valorizada pelas provas, este é um tema que ainda é pouco discutido e, por isso, invisível.
Você aí do outro lado da telinha, lendo a CAPRICHO, já parou pra pensar em como isso está presente no seu dia a dia? Quais funções a sua mãe, avó ou tia realiza dentro de casa? A responsabilidade de planejar, organizar e tomar decisões relacionadas à casa e aos filhos ficam apenas com elas, que estão sempre sobrecarregadas? E qual o papel do seu pai, tio ou avô?
Um fato que é importante ressaltar que é todos nós precisamos de cuidados para existir, trabalhar, produzir e ganhar dinheiro. E, sim, isso é trabalho, mesmo que não remunerado e ocupa muito a rotina de mulheres e meninas em nosso país, ocasionando em uma carga mental muito grande.
Mulheres e meninas dedicam aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas quase o dobro do tempo gasto pelos homens. E isso é comprovado pelo IBGE. A edição mais recente da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua: Outras formas de trabalho, mostra que as brasileiras gastam 21,3 horas semanais nessas atividades, em média, enquanto os homens gastam 11,7 horas. Ou seja, o dobro. Deu pra perceber o tamanho do problema?
Mulheres e meninas dedicam aos afazeres domésticos e cuidados de pessoas quase o dobro do tempo gasto pelos homens.
Segundo outra pesquisa, mas da FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), 65% do trabalho de cuidado é feito por mulheres. Se isso fosse levado em consideração, ou seja, fosse remunerado de forma adequada, esse esforço acrescentaria ao menos 8,5% ao PIB (Produto Interno Bruto) do nosso país.
Mas como resolve, CAPRICHO?
Uma das formas é pensar na economia do cuidado – ideia importante não só para o Enem e outros vestibulares, mas para o debate público e repensar a sua relação com essa questão no seu dia a dia.
Mas também olhar para as políticas públicas que estão sendo desenvolvidas e buscar investimentos para o trabalho de cuidado é essencial quando pensamos em uma proposta de resolução. Quer um exemplo na prática?
O instituto brasileiro Procomum promove, em parceria com diversos mobilizadores sociais do Brasil e da América Latina, a iniciativa ‘LA Cuida’ – que tem como missão reconhecer, mapear, articular e estimular ações e iniciativas comunitárias da região que tenham como foco, práticas de cuidado seja na cultura, na economia ou/e na política.
Em cada edição, são selecionados dez projetos de economia do cuidado. As pessoas por trás das ideias contam os conhecimentos que elas precisam para colocá-las em prática. Com a ajuda de colaboradores das mais diferentes áreas, elas recebem mentorias, além de recursos financeiros, para desenvolverem e aprimorarem seus protótipos.
“Queremos que participem trabalhadoras domésticas, mas também sindicalistas, produtoras, analistas de dados, desenvolvedores, ativistas para que eles troquem ideias e pensem em inovações”, diz Georgia Nicolau, diretora de parcerias e institucional do Procomum.
Ela explica que a iniciativa parte do pressuposto de que quem tem as soluções são as pessoas que estão sofrendo o problema e, abraçando a diversidade da sociedade, chega-se em respostas mais amplas, inovadoras e comuns para resolvê-lo.
No laboratório que aconteceu na Colômbia, em junho deste ano, por exemplo, um dos projetos selecionados tratava-se de desenvolver uma metodologia de cuidado para mulheres no contexto do sindicato nacional da trabalhadoras domésticas afro-colombianas.
“O sindicato dá conta de um monte de coisa relacionada a salários e direitos, mas como criar também um espaço de cuidado com as mulheres dentro dessa organização? Nos nove dias de laboratório, foi pensado como criar uma metodologia para isso”, explicou Georgia.
O cuidado é a base de tudo
Georgia destaca que quando existe a chance, como acontece com a iniciativa La Cuida, é possível perceber como as pessoas têm muito contribuir para toda a sociedade.
“Por isso, os gestores públicos têm o desafio de olharem para as pessoas não como alguém que vai ser consultado sobre os problemas, mas como alguém que tem as soluções”, diz a diretora do Procomum. “Aí você muda a lógica de um Estado que é paternalista e olha para a sociedade como usuária para um Estado que escuta, está aberto para inovação e coproduz com as pessoas”, completa.
Quando você coloca o cuidado no centro, você percebe que não é que eu preciso trabalhar para cuidar da vida, mas eu preciso cuidar da vida para trabalhar.
Georgia Nicolau
Ela também afirma que é preciso olhar para o cuidado, não meramente como uma parte da vida, mas como a base que mantém a vida. Todo mundo precisa de cuidados, desde a alimentação até roupas lavadas e passadas, para viver bem e produzir.
“Quando você coloca o cuidado no centro, você percebe que não é que eu preciso trabalhar para cuidar da vida, mas eu preciso cuidar da vida para trabalhar”, diz Georgia.
Essa é uma ideia que poderia ter guiado a proposta de intervenção do Enem, mas que toda a nossa galera deve ter em mente para a vida.