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O único apocalipse que deve destruir a humanidade é o ambiental

O mundo pós-coronavírus será, sim, diferente: será um lugar ainda mais poluído e com novos tipos de descartes tóxicos, garantem cientistas

Por Isabella Otto Atualizado em 17 jul 2020, 20h09 - Publicado em 15 jul 2020, 12h51
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  • Em tempos de pandemia de COVID-19, as máscaras faciais se tornaram itens indispensáveis, como o álcool em gel e o distanciamento social. Sair de casa sem ela é como sair sem carteira, celular ou RG. Na verdade, hoje, a máscara é o mais necessário desses itens. Tem até uma galera tendo pesadelos com o fato de estar em uma aglomeração sem a proteção. É o novo sonhar que está pelado em um lugar público. Tão essencial quanto seu uso e sua higienização, é o descarte do equipamento de segurança.

    Outdoor mostrando como descartar corretamente os lixos gerados pelo coronavírus; medidas de segurança devem ser respeitadas, mas é preciso bom senso na hora de comprar e usar os equipamentos de proteção Creative Touch Imaging Ltd./NurPhoto/Getty Images

    Estudiosos já alertam sobre um novo tipo de lixo no meio ambiente: as máscaras descartáveis. Em alguns casos, não tem muito o que fazer. Profissionais da saúde, por exemplo, devem usar máscaras cirúrgicas, que têm vida curta e logo precisam ser substituídas por novas. O problema é que mesmo o descarte correto delas é problemático: o indicado pela Organização Mundial da Saúde é que a máscara seja isolada, para evitar o risco de contaminação, usando um saco plástico antes de descartá-la no lixo, que claramente estará forrado por outro saco plástico.

    Nos hospitais e consultórios, vemos isso acontecer. No dia a dia, não. Máscaras estão sendo encontradas nas ruas, nos rios e nos oceanos. Em sua maioria, descartável. “O descarte de máscaras no chão, como qualquer outro dejeto, traz um risco enorme para o meio ambiente. Suja os lençóis freáticos, os mares, e entopem canais causando alagamentos”, explica Clara Torres, técnica de segurança do trabalho do Hospital Infantil Albert Sabin, no Ceará, em entrevista ao portal do Governo do Estado.

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    A ONG Opération Mer Propre emitiu um alerta em junho sobre a quantidade de máscaras e luvas cirúrgicas encontradas nas águas do Mediterrâneo. Os itens chegam a levar até 450 anos para se decompor, e não totalmente, pois acabam virando microplástico. Também em junho, a ONG Oceans Asia recolheu 70 máscaras descartáveis em uma área de 100m em Hong Kong. Elas, além de machucar e asfixiar os animais quando estão inteiras, acabam sendo consumidas por eles, que pensam se tratar de comida, quando viram microplástico. Em muitos casos, esse microplástico ingerido vai parar no seu prato, quando você consome peixe. É um ciclo e você, humano, não está fora dele.

    É por isso que as máscaras de tecido são menos prejudiciais ao meio ambiente e, se você puder optar por elas, opte. Contudo, é preciso fazer outro alerta: o consumo delas precisa ser consciente. Já é possível ver pessoas criando coleções de máscaras caseiras e postando elas nas redes sociais para mostrar essa “ostentação sustentável”. Ao comprar mais máscaras do que você precisa, você não está ajudando o planeta. Muito pelo contrário! A maioria dos tecidos também não é biodegradável, tendo na composição fibras sintéticas, como o poliéster, que levam centenas de anos para se decompor. Alguns tecidos são recicláveis, assim como alguns plásticos, mas essa não é uma realidade na qual podemos nos apoiar. O Brasil é o 4º maior produtor de lixo plástico do mundo e apenas 18% dos municípios do país têm coleta seletiva de resíduos – sendo que uma minoria que mora nesses locais faz uso desse privilégio.

     

    Poxa, quer dizer então que os canudinhos plásticos nunca foram os maiores vilões? Não isoladamente. Se você está esperando um mundo pós-coronavírus muito mais solidário, precisa rever suas atitudes, porque o mais provável é que encontremos um mundo ainda mais poluído, caminhando para um apocalipse ambiental com o qual ninguém parece se preocupar de verdade.

    “Mais máscaras que água-viva”

    Em ações realizadas pela ONG Opération Mer Propre, máscaras, luvas e embalagens plásticas de álcool em gel foram encontradas aos montes nas águas do Mediterrâneo. Joffrey Peltier, fundador da organização, garante que, se as pessoas não se conscientizarem sobre o consumo e o descarte corretos desses produtos, “em breve, teremos mais máscaras descartáveis nos oceanos que águas-vivas”.

    Somado a isso, temos aquela profecia de que, em 2050, teremos mais lixo plástico nos mares que peixes. Anualmente, o Mediterrâneo recebe cerca de 570 mil toneladas de plástico, de acordo com a WWF. O lugar, vendido como roteiro de luxo, é um dos mais poluídos do mundo, assim como outras localidades paradisíacas, como a Indonésia, cheia de ilhas de lixo. Todos os dias, o país asiático produz aproximadamente 130 mil toneladas de lixo sólido, sendo que apenas metade é descartada corretamente. A outra vai parar diretamente nos mares ou é queimada em incinerações ilegais que comprometem a camada de ozônio. Para piorar, muito do lixo plástico produzido por também um dos grandes produtores globais, os Estados Unidos, acaba sendo descartado ilegalmente em países da Ásia, que sofrem com a produção local, a falta de políticas de reciclagem e o descarte internacional.

    “Lixo do coronavírus” descartado incorretamente na Tunísia; problema é global Jdidi Wassim/SOPA Images/LightRocket/Getty Images

    Em 2019, o governo do Camboja anunciou que devolveria aos EUA e ao Canadá 1,6 mil toneladas de lixo plástico ilegal encontradas em contêineres de importação. O flagrante aconteceu em junho, sendo que um mês antes, em maio, os Estados Unidos tinham se negado a assinar o acordo que regulamenta a exportação de lixo plástico. Ele visa a transparência nas negociações e a diminuição da quantidade anual de plásticos despejada nos oceanos: pelo menos 8 milhões de toneladas, segundo a ONU.

    Pimenta nos olhos dos outros é refresco, né? Se esquecem eles de que o planeta é um só. E não há ainda uma opção B. E se houver, provavelmente, também será destruída.

    Sinais do fim do mundo

    A pandemia de coronavírus tem explicações científicas bastante palpáveis para apenas acreditarmos que ela foi mandada por forças superiores para nos ensinar uma lição. Ou várias. Assim como as nuvens de gafanhotos e os mares que se transformam em “sangue”. Esses sinais podem ser entendidos por alguns como indicativos do fim do mundo, e a questão aqui não é questionar a fé de ninguém. Até porque ela realmente é poderosa, impossível ir contra isso. Contudo, enquanto alguns sinais parecem viralizar em um espaço de tempo assustador, outros parecem ser ignorados. E não deveriam.

    Há anos, a natureza nos dá indícios de que está chegando ao seu limite. Em 2012, a NASA afirmou que essas teorias que dizem que a Terra vai acabar por causa de asteroides, por exemplo, não têm fundamento. No mesmo ano, Jean-Claude Manuguerra, especialista em virologia do Instituto Pasteur de Paris, garantiu que pandemias são preocupantes e podem dizimar boa parte da população mundial, mas que elas sozinhas também não vão destruir o planeta. Na realidade, o que está acabando com o mundo são nossas ações diárias motivadas pelo sistema capitalista e pelo nosso egoísmo de achar que somos invencíveis e que ainda temos meio ambiente de sobra para utilizar, desmatando, criando pastagens, incentivando grilagens, contribuindo para o genocídio de indígenas, “alugando” o Brasil para multinacionais.

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    Imagem feita pela equipe da ONG Opération Mer Propre, na “Operação COVID”, há dois meses, no Mediterrâneo Opération Mer Propre/Reprodução

    No último domingo (12), ao menos 20 tartarugas foram encontradas mortas, presas a resíduos plásticos, em uma praia mais afastada de Bangladesh, que nunca antes havia registrado um número tão grande de lixo em suas águas. Em 2012, há oito anos, cientistas já alertavam sobre os perigosos das mudanças climáticas, que podem, sim, significar o fim do mundo. Mas não vai ser uma catástrofe que acontece de uma hora para outra, como simulam os filmes. Na verdade, essa catástrofe já está acontecendo e você está bem no meio dela.

    O “suicídio coletivo da espécie humana”, apontado por especialistas, é formado por todas essas atitudes que contribuem para as mudanças climáticas, o efeito estufa e o aquecimento da Terra. Catástrofes naturais ocorrem obviamente por razões naturais, mas muitas são agravadas por ações e omissões humanas. As queimadas na Amazônia e o descaso com a maior floresta tropical do mundo. A alta produção e comercialização de itens plásticos, e o descaso com a reciclagem. Os altos números de poluentes emitidos por indústrias e o descaso com as mudanças climáticas, que para muitos ainda é lenda. O comércio e a caça ilegal de animais selvagens, e o descaso com a extinção. É tudo ação e reação, causa e consequência. É tudo muito claro, mas pessoas no poder adoram usar cortinas de fumaça para desviar a atenção ou desvalidar discursos que vão contra os interesses dessas minorias poderosas que comandam nações baseando-se em interesses políticos e econômicos.

     

    A sustentabilidade pode ser lucrativa? Bastante! Mesmo que subestimada, ela já gera milhões de “empregos verdes” e um sistema bem feito de reciclagem também gera lucro, só que é preciso tempo para implementar esses novos sistemas que, na maioria das vezes, não atendem àqueles grandes nomes por trás de grandes empresas que se beneficiam com o capitalismo e pouco se importam com recursos naturais – ao menos que eles se tornem lucrativos e passem a ser explorados inconscientemente.

    Bem-vindo ao fim do mundo. Ele é hoje, é agora e é aqui.

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